quarta-feira, 14 de julho de 2010

A Fé Reformada e o Arminianismo Parte 1

por
Dr. John Murray

O Arminianismo deriva seu nome de Tiago Armínio (Jacobus Arminius), um ministro da Igreja Reformada na Holanda, que viveu de 1560 a 1609. Ele se tornou Professor de Teologia na Universidade de Leyden, em 1603. Foi particularmente durante o período de sua atividade como professor em Leyden que ele deu expressão aos rompimentos com a Fé Reformada, os quais desde então têm sido associados ao seu nome. Armínio morreu em 1609, mas ele deixou discípulos que continuaram a ensinar e desenvolver suas doutrinas.
Em 1610, um documento conhecido como o “Remonstrance” [protesto, censura], e freqüentemente chamado de “Os Cinco Artigos Arminianos”, foi assinado por 46 ministros e apresentado às autoridades civis das Províncias Unidas. Esses artigos apresentam a doutrina dos “Remonstrantes” ou Aminianos, como eles vieram a ser chamados, nos assuntos da predestinação, a extensão da expiação, a causa da graça salvadora e a perseverança. Esses artigos eram tantos negativos como positivos - eles negavam uma doutrina e afirmavam outra.
Nos estágios iniciais da controvérsia, o significado e a implicação precisa de alguns dos pontos não se tornaram explícitos; mas, à medida que o conflito precipitado pelos Remonstrantes se desenvolveu, tornou-se evidente que os cinco pontos da Fé Reformada que os Arminianos estavam particularmente insistindo em negar eram: predestinação incondicional, expiação limitada, depravação total, graça irresistível e a perseverança dos santos. Os Calvinistas afirmavam estes e os Arminianos negavam.
Estes cinco pontos não definem para nós o que a Fé Reformada ou o Calvinismo é. A Fé Reformada é um sistema de verdade e é muito mais abrangente do que quaisquer cinco pontos que possam ser enumerados, embora os mesmos sejam importantes e essenciais nele. Contudo, nestes cinco pontos atacados pelos Arminianos, o sistema da verdade conhecido como Calvinismo pode-se dizer ser consolidado. Eles expressam o que este sistema é, em oposição ao sistema Arminiano ou qualquer outro sistema que, de forma similar, lhe for oposto. Eles sempre continuarão a ser pontos decisivos, nos quais o conflito é unido com qualquer sistema de pensamento, que é movido por uma inclinação Arminiana, e dirigida pelos mesmos princípios básicos.
Nenhum de nós pensará que o erro do Arminianismo está confinado a estes cinco pontos. O Arminianimo é uma teologia, e a diferença entre esta teologia e a teologia da Igreja Reformada se expressa em muitos outros pontos. O erro da teologia Arminiana é, contudo, resumido naqueles cinco pontos; e assim, a grande parte da controvérsia no passado está, de uma forma totalmente justificável, relacionada às doutrinas enunciadas neles. Que isto é verdade na realidade, tem sido demonstrado pela história.

Predestinação Incondicional
O primeiro artigo do Remonstrance de 1610 concerne à predestinação. Todos os antigos Reformadores estavam substancialmente de acordo com a doutrina da predestinação. Foi somente na Igreja Reformada, contudo, que a doutrina da predestinação absoluta, sustentada tanto Lutero como por Calvino, continuou a ser sustentada e defendida. O que isto significa?
Não podemos responder melhor do que citando a Confissão de Fé de Westminster, capítulo III:
I. Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.
III. Pelo decreto de Deus e para manifestação da sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados para a vida eterna e outros preordenados para a morte eterna.
IV. Esses homens e esses anjos, assim predestinados e preordenados, são particular e imutavelmente designados; o seu número é tão certo e definido, que não pode ser nem aumentado nem diminuído.
V. Segundo o seu eterno e imutável propósito e segundo o santo conselho e beneplácito da sua vontade, Deus antes que fosse o mundo criado, escolheu em Cristo para a glória eterna os homens que são predestinados para a vida; para o louvor da sua gloriosa graça, ele os escolheu de sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras e perseverança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a isso o movesse, como condição ou causa.
Esta declaração da doutrina foi formulada pelos teólogos de Westminster em 1645, mas ela é justamente a bem articulada expressão credal da doutrina sustentada pelos antigos Reformadores, conservada na Igreja Reformada, e atacada pelos Arminianos. O importante da primeira seção citada é justamente isto: que o curso completo da história universal, desde o princípio ao fim, em toda sua extensão e mínimos detalhes, está envolvido no plano e decreto de Deus; que tudo o que ocorre, grande ou pequeno, bom ou mal, Deus desde a eternidade imutavelmente determinou que aconteceria.
Não é, contudo, em relação à total abrangência do decreto de Deus que o conflito com o Armiano em primeira instância se relaciona. É em relação a como este decreto interfere sobre os destinos dos seres racionais, e mais particularmente sobre os destinos dos homens; em outras palavras, como o decreto se torna operativo na predestinação para a vida de alguns da humanidade e a pré-ordenação para a morte de outros. Mas, a doutrina dos decretos gerais interfere diretamente sobre a questão dos destinos dos homens. Se Deus livremente e imutavelmente ordena tudo quanto acontece, e se ocorre que alguns homens são salvos e outros perecem, então ele tem livremente e imutavelmente ordenado estes fatos, tão bem como os outros. Se o Arminiano nega o último, ele deve negar o primeiro.
A predestinação para a vida e a pré-ordenação para morte significa substancialmente que desde toda eternidade Deus, soberanamente, de acordo com o conselho de Sua vontade, escolheu ou elegeu um número definido de indivíduos da raça humana para a vida eterna, que Ele os elegeu individualmente, e que ao fazer esta eleição ele não estava condicionado pela sua previsão de fé ou boas obras ou perseverança em ambos, mas que a eleição foi determinada por aquele soberano beneplácito que encontra todo seu fundamento e explicação em si mesmo e em nada mais. Em outras palavras, Deus por um decreto absoluto, incondicional e imutável, determinou a salvação de certas pessoas como resultado da livre graça e amor, e que de acordo com este decreto ele executa o propósito de sua graça e amor. Aos outros não eleitos, pelo exercício do mesmo soberano beneplácito, ele decretou ignorá-los e ordená-los à destruição eterna, como recompensa pelos seus pecados.
É esta a doutrina que o Arminianismo nega. Nas palavras de Tiago Armínio: “Deus não predestinou absolutamente qualquer homem para a salvação; mas ele tem em seu decreto lhes considerado como crentes”. É peculiarmente importante que este fato seja apreciado. O princípio fundamental do Arminianismo neste artigo de fé é a negação da doutrina apresentada nos símbolos Reformados. Também, freqüentemente a significação e a importância disto são obscurecidas pelo apelo da parte dos Arminianos para o lado positivo de seu ensino. Nós não devemos permitir este obscurecimento. O Arminianismo começa com a negação, a recusa da doutrina da soberana eleição incondicional. Embora a elaboração positiva da posição Arminiana possa incorporar muita verdade, de maneira alguma o Arminianismo deixa de ser uma negação da eleição incondicional, porque este é o centro da questão. Todos que negam a eleição incondicional, negam um aspecto da verdade que é da essência da doutrina Reformada.
A posição Arminiana envolve, como temos já citado, mais do que negação. A Remonstrance diz assim: “Artigo I. Que Deus, por um eterno propósito imutável, em Jesus Cristo seu Filho, antes da fundação do mundo, tem determinado dentre a raça humana caída e pecaminosa, salvar, em Cristo, e por amor de Cristo, aqueles que, através da graça do Espírito Santo, crerem neste seu Filho Jesus, e perseverarem nesta fé e obediência da fé, através de sua graça, até o fim”.
Num exame superficial, pode parecer que não há diferença essencial entre isto e a posição apresentada pelos símbolos Reformados. Não fala ele de um eterno e imutável propósito de Deus, pelo qual ele determina salvar todos aqueles que crerem em seu Filho e perseverarem até o fim? Certamente fala, e ninguém nesta controvérsia negará que o dito é verdade. Deus eternamente e imutavelmente determinou salvar todos aqueles que crêem e perseveram na santidade até o fim. Mas há um abismo de diferença entre o que os Arminianos aqui afirmam e o que os Calvinistas afirmam.
A diferença é justamente esta. O Calvinista afirma que Deus eternamente e imutavelmente decretou a salvação de certas pessoas, as quais ele soberanamente distingue por este decreto, daquelas que não foram ordenadas para salvação. De acordo com este decreto de salvação, ele decreta os fins para sua realização, e assim decreta dar fé e perseverança à todos aqueles predestinados para salvação. O Arminiano nega a existência de tal decreto sobre a salvação de indivíduos, e o que ele afirma é que Deus decreta ou propõe salvar todos aqueles que crêem e perseveram na fé e obediência até o fim. No primeiro caso, há a eterna destinação à salvação de pessoas, que são os objetos da soberana eleição de Deus; no último caso, há o divino propósito de salvar a classe caracterizada pela fé e perseverança. Em última análise, a primeira é a eleição de pessoas, a última é a eleição de qualidades com a condição de que todos que exibam estas qualidades serão salvos.
Alguns Arminianos sob a tensão da discussão, e também em cima de fundamentos exegéticos, percebem a inadequabilidade da posição precedente, e assim, eles dizem que Deus não somente decretou salvar todos que crêem, mas que ele também elegeu todos que crêem. Há, portanto, eles dizem, uma eterna e imutável eleição de indivíduos, cujo número é certo, uma eleição de fato de todos aqueles que finalmente serão salvos. Alguns podem estar dispostos a dizer que isto é exatamente o ensino dos símbolos Reformados. Uma pequena investigação revelará a falácia disto.
A marca distintiva do Calvinismo é a eleição incondicional, e isto é exatamente o que este alto gênero de Arminianismo vigorosamente nega. Ele professa realmente uma eleição fixa e imutável de indivíduos. Mas o que isto significa é que, visto que Deus decreta salvar todos os que crêem e, visto que ele conhece perfeitamente de antemão e desde toda a eternidade quem irá crer, ele, com base nesta previsão, como fundamento e causa, elege estes indivíduos para a vida eterna. Deus elege todos que ele previu que creriam e perseverariam até o fim. Sua eleição então, é determinada por sua previsão de algumas diferenças que viriam a existir entre os homens, uma diferença que ele mesmo não causou, mas que em última análise é devida à soberana escolha por parte da vontade humana. O fator determinante neste tipo de eleição então, não é o soberano beneplácito incondicional de Deus, mas a decisão da vontade humana que Deus desde a eternidade previu. Eleição não é a origem, mas a fé prevista é feita a origem ou condição da eleição.
Em um exame minucioso será evidente que isto não é divina eleição de forma alguma. A soberana determinação de Deus é destronada em um ponto vital, porque a determinação final da discriminação que existe entre os homens é considerada como algo existente nos homens, e não no soberano beneplácito de Deus. Sem dúvida, este tipo de Arminianismo que inicialmente parece ser igual à posição Reformada, somente serve para mostrar claramente a total diferença entre os dois sistemas. A eleição ensinada na Igreja Reformada é a eleição para salvação e para vida eterna e, portanto, também para a fé e todas as outras graças como os meios ordenados por Deus para a realização do seu soberano decreto. A eleição não é, então, condicionada à fé, mas a fé é o fruto da eleição. Deus soberanamente opera fé nos homens porque ele tem em seu eterno conselho lhes ordenado para a salvação. A fé não é a lógica prévia da eleição, mas a eleição é a prévia e eterna origem da fé. O Arminianismo em sua melhor forma, nega todas estas proposições.
A negação da eleição incondicional ataca o coração da doutrina da graça de Deus. A graça de Deus é absolutamente soberana, e cada fracasso em reconhecer e apreciar a absoluta soberania de Deus em sua graça salvadora, é uma expressão do orgulho do coração humano. Esta negação baseia-se sob a demanda de que Deus pode tratar diferentemente com os homens, no assunto da salvação, somente porque eles, por si sós, se fazem diferentes. Em seus elementos finais, significa que o fator determinante na salvação é o que o homem por si só faz, e o que é justamente equivalente a dizer que não é Deus quem determina a salvação dos homens, mas os homens determinam sua própria salvação; não é Deus que salva, mas o próprio homem se salva. Este é precisamente o caso.

Fonte: 
Extraído de uma série que apareceu na revista The Presbyterian Guardian em 1935-1936. 
Sobre o autor :
O Professor John Murray nasceu na Escócia, em 1898, e era, no tempo desta escrita, um cidadão Inglês. Ele se graduou na Universidade de Glasgow (1923) e no Seminário Teológico de Princeton (1927), e estudou na Universidade de Edimburgo durante 1928 e 1929.
Em 1929-1930 ele serviu como professor no Seminário Teológico de Princeton. Posteriormente ele ensinou no Seminário Teológico de Westminster, na Filadélfia, onde ele serviu como Professor de Teologia Sistemática, de 1930-1966.
Ele foi um freqüente contribuidor de jornais teológicos e é o autor de: O Batismo Cristão (1952), Divórcio(1953), Redenção Consumada e Aplicada (1955), Princípios de Conduta (1957), A Imputação do Pecado de Adão (1960), Calvino sobre as Escrituras e a Soberania Divina (1960), A Epístola aos Romanos , Vol I, Capítulos I-VIII (1960) e A Expiação (1976 - publicado após a sua morte).
Em 8 de Março de 1975, o Professor John Murray entrou no descanso do seu Senhor.



Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto 
01 de Maio de 2003.
Cuiabá-MT
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