sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Breve Histórico das Origens do Arminianismo - Rev. Ewerton Barcelos Tokashiki



Jacob van Harmazoon (1560-1609), ou como é conhecido por seu nome latinizado Jacobus Arminius, nasceu em Oudewater na Holanda. Primeiro estudou teologia na Universidade Marburg em Leyden (1575-1581), também estudou em Basiléia (1582-1583), e posteriormente na Academia de Genebra na Suíça (1584-1586), onde recebeu aulas do próprio reformador Theodoro Beza, sucessor de João Calvino. 

A Igreja Estatal Holandesa havia adotado a doutrina Reformada. Em 1618, endossou como seus Símbolos de Fé: a Confissão Belga [1] e o Catecismo de Heidelberg. [2] Inicialmente foram usados apenas como livros de instrução. Mas ao serem adotados como documentos representantes da fé do Estado Holandês, trouxe muito desconforto para aqueles que advogavam manter a antiga fé Católica, ou, uma postura mais tolerante. 

A Holanda por causa do seu desenvolvimento humanista advogava a liberdade de pensamento. Um dos maiores humanistas holandeses no início da Reforma era Desidérius Erasmus (1466-1536), mais conhecido como Erasmo de Rotterdam, que mesmo fazendo duras críticas a Igreja Católica Romana, morreu como seu submisso filho. [3]

Os Países Baixos ainda estavam sendo minados pelo Semipelagianismo. Mas, Arminius foi escolhido pelo Sínodo holandês em 1589, para defender a doutrina oficial da Igreja Reformada Holandesa. Dirk Coornhert que naquele período era o secretário geral dos Estados Gerais, não havia aderido às doutrinas da Reforma. Arminius que era um filho da Igreja Reformada Holandesa foi indicado para se opor aos ataques teológicos semipelagianos de Coornhert. Entretanto, Arminius não foi feliz em sua defesa. [4] A partir desse debate Arminius começou a questionar e nutrir dúvidas acerca do seu Calvinismo. 

Durante o pastorado da Igreja Reformada de Amsterdã (1588-1603), Arminius realizou uma exposição na epístola de Romanos analisando os capítulos 7-9. Nestas palestras ele questionou a interpretação calvinista desta passagem, preferindo uma forma de Semipelagianismo modificada, o que veio a chamar-seArminianismo 

Em 1603, Arminius foi nomeado professor de divindade (teologia sistemática) na Universidade de Leyden. Esta era a mais antiga universidade da Holanda. Sua nomeação ocorreu por basicamente três motivos; primeiro, por causa de sua família, que ocupava uma posição proeminente entre a aristocracia holandesa; segundo, possuía muitos amigos, inclusive membros da igreja de Amsterdã que lhe apoiavam; terceiro, o seu currículo acadêmico era inquestionável. Lecionou ali até a sua morte. Durante esse período letivo, Arminius sistematizou seu pensamento fazendo muitos discípulos e simpatizantes políticos. 

Franciscus Gomarus que, primeiramente, foi professor de Arminius, tornou-se seu principal inimigo. Todos os que defendiam a posição calvinista, ficaram conhecidos, naquele período na Holanda, como gomaristas. Gomarus foi uma figura decisiva no Sínodo de Dort, em defesa da opinião calvinista. 

A Igreja Oficial Holandesa era confessionalmente calvinista. Os teólogos e partidários de Arminius não admitiam a limitação confessional, e procuravam obter a revisão dos credos oficiais. Isso causou um transtorno de difícil resolução, pois ambos teólogos, tanto Gomarus como Arminius, possuíam influentes simpatizantes na política estatal holandesa.[5]

A República dos Estados Gerais [6] se encontrava perto de uma cisão. Quando a discussão saiu de dentro das salas da Universidade de Leyden, indo para os púlpitos e em seguida para o parlamento, o caso agravou-se. Ricardo Cerni comenta que 

no sombrio marco desta questão ressuscitou um antigo problema sócio-político polarizado na rivalidade existente entre Maurício de Nassau (filho de William de Orange, e o protetor do proletariado), e Jan Barnevelt, um dos fundadores da república e líder da alta burguesia. Em geral, esta classe social era partidária da postura arminiana, e usando de sua evidente influência política conseguiram, através de Hugo Groot (Grotius, 1583-1645) a publicação de um Edito para que se proibisse nas igrejas a pregação de temas “controvertidos”, incluindo, obviamente, a questão da predestinação. Os calvinistas ortodoxos protestaram imediatamente estimando aquele que era um ato de verdadeira perseguição. [7]

Era um risco muito delicado para a Holanda, principalmente naquele momento, pois a guerra com a Espanha não havia terminado. Maurício de Orange, que era o Conde de Nassau, percebeu claramente o perigo da República Holandesa perder a sua unidade, e resolveu usar a sua influência como governador-geral, quebrando o poder das autoridades partidárias de Arminius. De forma decisiva em 1617, Maurício de Orange desarmou as tropas dos magistrados arminianos, e no mesmo ano decidiu convocar um sínodo. 

O problema teológico de Arminius tinha as suas raízes em sua teontologia [8]. As suas conclusões acerca da salvação, não eram resultados apenas de um conceito errado de livre arbítrio, ou do modus operandi da livre graça de Deus, e sim, do seu conceito acerca da Trindade. Arminius falando do seu conceito da divindade de Cristo e do Espírito, afirma que “esta maneira de falar é nova, herética e sabeliana, e em si, é blasfemo dizer que o Filho de Deus é homoousios (da mesma essência) porque somente o Pai é verdadeiro Deus, o Filho e o Espírito não o são.” [9] Além de demonstrar certa deficiência na área de teologia histórica, a sua teontologia resulta conseqüentemente num Unitarismo. [10] 

A conseqüência dessa teologia em tom unitarista, unida a um conceito errôneo de livre arbítrio é que a sua Soteriologia [11] e todas as demais divisões da dogmática, coerentemente, sofreram modificações bastante significativas. Não é de se estranhar que os discípulos de Arminius distanciaram-se do seu tom protestante original. Os nomes de teólogos arminianos como “Episcopius, Grocius, Curcellaeus, Limborch, e sua elaboração de imponentes volumes, do material dogmático, não conseguem esconder o achatamento de todas as grandes doutrinas, e suas tendências crescentes em direção a Ário, a Pelágio e a Socínio”. [12] 

O próprio Arminius era inconsistente em sua teologia. Embora negava os quatro primeiros pontos do Calvinismo, ele incoerentemente aceitava o quinto. Numa obra chamada Declaração dos Sentimentos (1608) ele defende que Deus possui quatro tipos de decretos, sendo que o quarto “Deus decretou a salvação de certos indivíduos específicos – porque Ele anteviu que eles creriam e perseverariam até o fim”. [13]

Com o propósito de tornar sua teologia mais coerente os remonstrantes também negaram em seu quinto ponto a doutrina da Perseverança Final, conforme exposta pelo Calvinismo. Em sua avaliação sobre o assunto, Wright afirma que 

ele [Arminius] continuou até a crer na segurança eterna dos santos, embora este último aspecto do calvinismo tenha sido abandonado pelos seus seguidores entre os Remonstrantes, poucos anos após a sua morte, enquanto procuravam desenvolver uma teologia mais consistente sobre a graça universal.[14]

Após a morte de Arminius (1609) os seus seguidores, aproximadamente 46 teólogos, se reuniram na cidade de Gouda. Apresentaram um documento chamadoArticuli Arminiani sive Remonstrantia (1610). Neste documento demonstravam que tipo de teologia esposavam em protesto à religião oficial do Estado. 

Após este incidente a Igreja foi obrigada a se declarar com maior clareza acerca destes novos pontos doutrinários através dos Cânones de Dort em reação aos arminianos. O sínodo reuniu-se na cidade de Dordrecht, em 13 de novembro 1618, até 9 de Maio de 1619. Era formado de teólogos não somente holandeses, mas também procedentes de outras partes da Europa. [15] Haviam trinta e cinco teólogos, um grupo de presbíteros das igrejas holandesas e participantes provindos da Grã Bretanha, Eleitorado do Palatinado, Helvétia, República de Genebra, Bremen, Bélgica, Zutânia, Austrália, Nova Zelândia, Frísia, Transilvânia, Groningen, Drentia, Gálica-Belga, Hesse, Suíça, Bradenburg, Utrecht e Balcanquall. 

Os remonstrantes também foram convocados para estarem no Sínodo. Estavam presentes Simon Episcopius professor de teologia em Leyden, o sucessor de Arminius, e mais doze teólogos arminianos. Contudo para eles o sínodo 

não passava de uma conferência e eles negavam competência para agir como um tribunal em questões de doutrina. Eles não queriam ser tratados como réus. A tática do grupo arminiano era a de obstruir as reuniões do sínodo com debates formais. O Sínodo queria discutir os artigos da “Remonstrância”, mas o grupo arminiano se recusava a expor claramente sua posição doutrinária. Após quatro semanas de debates inúteis, o presidente do sínodo dispensou o grupo de arminianos. Com isto o sínodo passou a julgar a doutrina arminiana com base em seus escritos. Os cinco artigos dos arminianos foram discutidos e uma comissão preparou o texto dos “cânones” ou regras de doutrina em que se condenava a doutrina arminiana e se expunha a doutrina reformada. [16]

O Sínodo holandês ratificou a sua fé Reformada (calvinista). Os remonstrantes insatisfeitos reagiram com um manifesto contra a decisão do Sínodo. O resultado desse manifesto foi a expulsão dos ministros arminianos das igrejas Reformadas e a morte de muitos deles.


NOTAS:
[1] - Escrito por Guy de Brés, em 1561.
[2] - Escrito por Caspar Olevianus e Zacharias Ursinus, em 1563.
[3] - Justo L. Gonzalez, Uma História do Pensamento Cristão: Da Reforma ao Século 20 (São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2004), p. 27.
[4] - Ricardo Cerni, Historia Del Protestantismo (Edinburgh, El Estandarte de la Verdad, 1992), p. 127
[5] - Lembrando que a Igreja Reformada e o Estado se encontravam entrelaçadas desde o início da Reforma, e uma heresia, não era simplesmente um erro, ou discordância doutrinária, mas também um crime político contra o Estado.
[6] - Esse era o nome que designava os Países Baixos.
[7] - Ricardo Cerni, História del Protestantismo, , pp. 127-128.
[8] - Estudo do Ser, Atributos e Obras de Deus.
[9] - James Arminius, The Works of James Arminius, vol. 1, p. 335 citado por Paul K. Jewett, Elección y Predestinación (Jenison, TELL, 1992), p. 29.
[10] - Sistema doutrinário que nega a Trindade, afirmando que Deus é apenas um Ser e uma só Pessoa.
[11] - Doutrina da salvação.
[12] - James Orr, El Progresso del Dogma (Terrassa, CLIE, 1988), p. 239.
[13] - Tony Lane, Pensamento Cristão (São Paulo, Abba Press, 1999) p. 24.
[14] - R.K. Mc Gregor Wright, A Soberania Banida (São Paulo, Ed. Cultura Cristã), p. 31.
[15] - Albert H. Newman, A Manual of Church History, vol. II, p. 347
[16] - Os Cânones de Dort (São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 1998), p. 11.

Fonte: Monergsimo

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A Divindade de Cristo - Benjamin B. Warfield



Um escritor célebre notou que nossa segura convicção da divindade de Cristo não repousa sobre "textos-prova ou passagens, nem sobre antigos argumentos provenientes destes, mas sobre a face geral de toda manifestação de Jesus Cristo, e de toda impressão deixada por Ele sobre o mundo". Sua antítese é também absoluta e, possivelmente, trai uma desconfiança injustificada da evidência das Escrituras. Para torná-la aceitável, devemos ler antes a declaração:

"Nossa convicção da divindade de Cristo repousa não apenas em passagens das Escrituras que a afirmam, mas também sobre toda nossa impressão do mundo". Ou talvez: "Nossa convicção repousa tanto sobre as afirmações das Escrituras como sobre sua completa manifestação". Ambas as linhas de evidência são válidas e, quando misturadas, formam uma corda inquebrantável. Os textos-prova e as passagens comprovam que Jesus era considerado divino por aqueles que viviam com Ele; que Ele mesmo afirmava ser divino: era reconhecido como divino por aqueles que eram ensinados pelo Espírito; que, enfim, Ele era divino. Mas, além e acima dessa evidência bíblica, a impressão que Jesus deixou sobre o mundo dá testemunho independente de sua divindade e pode muito bem ser que, para muitas mentes, isso possa parecer a evidência mais conclusiva de todas. Certamente, é bastante convincente e impressionante.


A natureza da evidência

Um homem ao ver o rosto de seu amigo o reconhece, como reconhece sua própria letra quando se depara com ela. Pergunte-lhe como ele sabe que esse rosto é o de seu amigo, ou que essa letra é a sua, e ele pode emudecer ou, se procurar responder, balbuciar algo sem sentido. Ainda que seu reconhecimento se baseie em bases sólidas, carecerá de habilidade analítica para isolar e afirmai essas mesmas bases sólidas. Cremos em Deus, na liberdade e na imortalidade como bons fundamentos, embora não sejamos capazes de analisar estas bases de maneira satisfatória. Não existe nenhuma convicção real sem fundamento racional adequado para sua evidência. Assim, se estamos solidamente seguros da divindade de Cristo, isso será sobre bases adequadas, que apelem à razão. Mas pode muito bem ser sobre bases não analisadas, talvez não passíveis de ser analisadas, por nós, de forma a ser demonstradas na forma da lógica formal.

Não precisamos aguardar para analisar as bases de nossas convicções antes que elas operem para produzir convicções, assim como não necessitamos aguardar para analisar nossa comida antes que ela nos nutra. A convicção cristã sobre a divindade de seu Senhor não depende de sua solidez sobre a capacidade cristã de convencimento para afirmar as bases de sua convicção. A evidência que ele oferece para isto pode ser completamente inadequada, embora a evidência sobre a qual ele repouse seja absolutamente constrangedora.

O testemunho na solução

A própria abundância e persuasividade da evidência para a divindade de Cristo aumenta grandemente a dificuldade de afirmá-la adequadamente. Isto é verdadeiro até mesmo quanto à evidência escriturai, pois ela é tão precisa e definida. E verdade o que Dr. Dale observa: que os textos particulares, nos quais a divindade é definitivamente afirmada, não se referem, nem de perto, ao todo, ou ainda, nem são as provas mais impressionantes que as Escrituras fornecem da divindade de nosso Senhor. Ele compara esses textos aos cristais de sal que aparecem na areia da praia depois que a maré recua. "Esses cristais de sal não são", observa ele, "a prova mais forte, embora seja a mais aparente, de que o mar é salgado; o sal está presente na solução de cada balde de água do mar". A divindade de Cristo está na solução de cada página do Novo Testamento. Cada palavra acerca Dele, cada palavra proferida a respeito Dele, pressupõe a aceitação de que Ele é Deus. Essa é a razão pela qual a "crítica", que procura eliminar o testemunho do Novo Testamento em relação à divindade de nosso Senhor, impôs a si mesma uma tarefa sem esperança. O Novo Testamento teria de ser eliminado. Não podemos nos afastar de seu testemunho. Como a divindade de Cristo é a pressuposição de cada palavra do Novo Testamento, fica impossível selecionar palavras do Novo Testamento e buscar, com elas, construir documentos mais recentes nos quais a divindade de Cristo não seja afirmada. A convicção segura da divindade de Cristo é contemporânea ao próprio cristianismo. Jamais houve um cristianismo, nem nos tempos dos apóstolos, nem a partir daí, em que essa não fosse uma opinião primordial.


Um evangelho saturado

Warfield - Jovem
Observemos, por meio de um ou dois exemplos, quão completamente saturado está a narrativa do evangelho com a aceitação da divindade de Cristo, de maneira que ela surge de forma e em lugares inesperados.

Em três passagens de Mateus, relatando as palavras de Jesus, Ele fala de modo familiar e da maneira mais natural do mundo sobre "seus anjos" (13.41; 16.27; 24.31). Em todas elas, Ele afirma que é o "Filho do Homem"; e em todas as três existem sugestões adicionais de sua majestade. "Mandará o Filho do Homem os seus anjos, que ajuntarão do seu reino todos os escândalos e os que praticam a iniqüidade e os lançarão na fornalha acesa; ah haverá choro e ranger de dentes" (Mt 13.41,42).

Quem é esse Filho do Homem que tem anjos, por cuja instrumentalidade o juízo se executará a seu comando? "Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras" (Mt 16.27). Quem é este Filho do Homem cercado por Seus anjos e em cujas mãos estão a distribuição da vida? O Filho do Homem "enviará os seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais reunirão os seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus" (Mt 24.31). Quem é este Filho do Homem que, por sua ordem, Seus anjos selecionam os homens? Um escrutínio dessas passagens mostrará que não é um corpo particular de anjos que significa os "anjos" do Filho do Homem, mas os anjos como um corpo, quem são Dele e estão ali para servi-Lo, conforme Ele ordenar. Em uma palavra, Jesus Cristo está acima dos anjos (Mc 13.32) — como é argumentado de modo extenso e explícito no início da epístola aos Hebreus. "Ora, a qual dos anjos jamais disse: Assenta- te à minha direita..." (Hb 1.13).


O céu vem a terra

Existem três parábolas relatadas no décimo quinto capítulo de Lucas, como proferidas por nosso Senhor em Sua defesa contra os murmúrios dos fariseus, que protestavam quanto ao fato de Ele receber os pecadores e comer com eles. A essência da defesa que nosso Senhor oferece para Si mesmo é que há alegria no céu graças aos pecadores que se arrependem! Porque "no céu", diante do trono de Deus? Ele está apenas pondo o juízo do céu contra o da terra, ou apontando para sua vingança futura? De forma alguma. Ele está representando Sua ação de receber os pecadores, de procurar o perdido, como Sua própria missão, pois esta é a conduta normal do céu que se manifestou Nele. Ele é o céu que vem a terra. Sua defesa é, portanto, apenas o desvelar a natureza real da transação. Os perdidos, quando se aproximam Dele, são recebidos, porque este é o caminho do céu; e Ele não pode agir de outro modo, senão pelo modo do céu. Ele assume tacitamente a parte do bom Pastor como Sua.


A posição única

Todas as grandes designações não são tão afirmadas quanto assumidas por Ele para Si mesmo. Ele não se autodesigna profeta, embora aceite esta designação de outros. Ele coloca-se acima de todos os profetas, até mesmo de João, o maior dos profetas, como aquele para quem todos os profetas olharam. Se chama a Si mesmo de Messias, preenche esse termo dando-lhe um significado mais profundo, abrigando-se na única relação que há entre o Messias de Deus, como seu representante, e Seu Filho. Jesus não fica satisfeito em apresentar-se meramente como alguém que tem uma relação única com Deus. Ele afirma que é o recipiente da plenitude divina, o participante de tudo que Deus tem (Mt 11.28). Fala livremente de Si mesmo como o Outro de Deus — a manifestação de Deus sobre a terra, ou seja, quem quer que 0 visse, via também o Pai — e Aquele que faz a obra de Deus na terra. Ele afirma, abertamente, ter prerrogativas divinas — o conhecer o coração do homem, o perdão dos pecados, o exercício de toda autoridade no céu e na terra. Na verdade, tudo que Deus tem e é, Ele afirma ter e ser; onipotência, onisciência, perfeição pertencem tanto a um como ao outro. Ele não somente executa os atos divinos, mas Sua própria consciência se adere à consciência divina. Se Seus seguidores demoravam para reconhecer Sua divindade, isso não era devido ao fato de Ele não ser Deus, ou não manifestar suficientemente Sua divindade. Era devido a eles serem tolos e lentos para crer, no coração, naquilo que Ele deixava tão patente diante de seus olhos.


A prova maior


As Escrituras nos dão evidência suficiente, portanto, de que Cristo é Deus. Contudo, elas estão longe de nos conceder toda a evidência que temos. Há, por exemplo, a revolução que Cristo operou no mundo. Se, na verdade, se perguntasse qual é a prova mais convincente da divindade de Cristo, talvez a melhor resposta fosse o cristianismo. A nova vida que ele trouxe ao mundo; a nova criação que ele produziu por meio de Sua vida e obra no mundo; aqui estão pelo menos as credenciais mais palpáveis.

Olhemos para isso de forma objetiva. Leia-se o relato histórico do avanço e das conquistas do cristianismo nos dias da igreja primitiva e, depois, pergunte-se: Poderiam essas coisas ter sido forjadas por um poder menor do que o divino? E, a seguir, lembre- se que essas coisas não apenas foram forjadas naquele mundo pagão dois mil anos atrás, mas foram forjadas novamente em cada nova geração, pois o cristianismo reconquista o mundo para si, geração após geração. Pense em como a proclamação cristã se disseminou, perfazendo seu caminho sobre o mundo como o fogo na grama seca de uma campina. Imagine como ele, enquanto se dissemina, transformou vidas. Isso, quer em seu aspecto objetivo, quer em seu aspecto subjetivo, se fosse incrível, não teria realmente ocorrido. Charles Darwin diz: "Se um viajante, por acaso, estiver a ponto de naufragar em alguma costa desconhecida, ele orará mais piedosamente para que a lição do missionário possa ter chegado a esta distância. A lição do missionário é como uma varinha de condão". Poderia esta influência transformadora, que não foi diminuída após dois milênios, ter provindo de um mero homem? Historicamente, é impossível que o grande movimento, que chamamos cristianismo e que não esgota após todos estes anos, pudesse ter se originado de um impulso meramente humano, ou pudesse representar hoje a obra de uma força meramente humana.


A prova interna

Ou olhemos para isso de forma subjetiva. Todo cristão tem dentro de si a prova do poder transformador de Cristo e pode repetir o silogismo do homem cego: "Nisto é de estranhar que vós não saibais donde ele é, e, contudo, me abriu os olhos" (Jo 9.30). Um arrazoado eloqüente exige o seguinte: "Será que devemos confiar no toque de nossos dedos, na visão de nosso olhos, na audição de nosso ouvidos e não confiar em nossa consciência, mais profunda, de nossa mais elevada natureza — a resposta da consciência, o florescer da alegria espiritual, o brilho do amor espiritual? Negar que a experiência espiritual seja tão real quanto a experiência física é desprezar as mais nobres faculdades de nossa natureza. Isso é dizer que metade de nossa natureza diz a verdade, e que a outra, profere mentiras. A proposição de que os fatos da esfera espiritual são menos reais do que os fatos da esfera física contradiz toda filosofia." O coração transformado dos cristãos alista-se a si mesmo "na gentil temperança, nos nobres motivos, nas vidas vividas visivelmente sob o império de grandes aspirações" — essas são as provas sempre presentes da divindade da Pessoa de quem suas inspirações são retiradas.

A prova suprema para cada cristão acerca da divindade de seu Senhor é, portanto, sua própria experiência interna em relação ao poder transformador de seu Senhor sobre o coração e a vida. Como aquele que sente o calor do sol sabe que o sol existe, assim também aquele que experimentou o poder recriador do Senhor sabe que Ele é seu Senhor e Deus. Aqui está a prova, talvez possamos dizer a mais apropriada, ou, certamente, devemos dizer a mais convincente, para todo cristão da divindade de Cristo; uma prova que não pode escapar, e à qual, seja ele capaz de analisá-la, seja ele capaz de delineá-la em uma afirmação lógica ou não, ele não pode deixar de dar sua convicção sincera e irrefutável. Qualquer outro fato ele pode, ou não, ter certeza, mas ele sabe que seu Redentor vive. Porque Ele vive, nós também devemos viver — esta era a afirmação do Senhor. Porque vivemos, ele também vive — esta é a convicção que não pode ser arrancada do coração do cristão.


BENJAMIN BRECKINRIDGE WARFIELD (1851-1921) estudou no Princeton Coliege, no Seminário da Princeton e na Universidade de Leipzig, na Alemanha. Warfield, ordenado em 1879, lecionou no Seminário Teológico Ocidental, Allegheny, PA, de 1878 a 1887, quando foi para o Seminário da Princeton, onde permaneceu até sua morte, em 1921. Foi seguidor do Dr. A. A. Hodge e manteve a posição conservadora calvinista desse grande teólogo, Calvino, De 1890 a 1902, editou a Presbyteriam and Re[ormed Review. Muitos de seus livros ainda são lidos hoje em dia, incluindo Biblical and Theological Studies [Estudos Bíblicos e Teológicos], Calvin and Angustine [Calvino e Agostinho], Inspiration and Authority of lhe Bible [Inspiração e Autoridade da Bíblia], The Person and Work of Christ [A Pessoa e a Obra de Crista], Perfectionism [Perfeccionismo] e Counterfeit Miracles [Milagres Forjados],

Fonte: [O Calvinismo]

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A Finalidade da Cruz - Dave Hunt



“Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim...” (Gl 2.19b-20).


A ilusão do "símbolo" do cristianismo

Os elementos anticristãos do mundo secular dariam tudo para conseguir eliminar manifestações públicas da cruz. Ainda assim, ela é vista no topo das torres de dezenas de milhares de igrejas, nas procissões, sendo freqüentemente feita de ouro e até ornada com pedras preciosas. A cruz, entretanto, é exibida mais como uma peça de bijuteria ao redor do pescoço ou pendurada numa orelha do que qualquer outra coisa. É preciso perguntarmos através de que tipo estranho de alquimia a rude cruz, manchada do sangue de Cristo, sobre a qual Ele sofreu e morreu pelos nossos pecados se tornou tão limpa, tão glamourizada.

Não importa como ela for exibida, seja até mesmo como joalheria ou como pichação, a cruz é universalmente reconhecida como símbolo do cristianismo – e é aí que reside o grave problema. A própria cruz, em lugar do que nela aconteceu há 19 séculos, se tornou o centro da atenção, resultando em vários erros graves. O próprio formato, embora concebido por pagãos cruéis para punir criminosos, tem se tornado sacro e misteriosamente imbuído de propriedades mágicas, alimentando a ilusão de que a própria exibição da cruz, de alguma forma, garante proteção divina. Milhões, por superstição, levam uma cruz pendurada ao pescoço ou a tem em suas casas, ou fazem "o sinal da cruz" para repelir o mal e afugentar demônios. Os demônios temem a Cristo, não uma cruz; e qualquer um que não foi crucificado juntamente com Ele, exibe a cruz em vão.


A "palavra da cruz": poder de Deus

Paulo afirmou que a “palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus” (1 Co 1.18). Assim sendo, o poder da cruz não reside na sua exibição, mas sim na sua pregação; e essa mensagem nada tem a ver com o formato peculiar da cruz, e sim com a morte de Cristo sobre ela, como declara o evangelho. O evangelho é “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16), e não para aqueles que usam ou exibem, ou até fazem o sinal da cruz.

O que é esse evangelho que salva? Paulo afirma explicitamente: “venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei... por ele também sois salvos... que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1 Co 15.1-4). Para muitos, choca o fato do evangelho não incluir a menção de uma cruz. Por quê? Porque a cruz não era essencial à nossa salvação. Cristo tinha que ser crucificado para cumprir a profecia relacionada à forma de morte do Messias (Sl 22), não porque a cruz em si tinha alguma ligação com nossa redenção. O imprescindível era o derramamento do sangue de Cristo em Sua morte como prenunciado nos sacrifícios do Antigo Testamento, pois "sem derramamento de sangue não há remissão" (Hb 9.22); “é o sangue que fará expiação em virtude da vida” (Lv 17.11).

Não dizemos isso para afirmar que a cruz em si é insignificante. O fato de Cristo ter sido pregado numa cruz revela a horripilante intensidade da maldade inata ao coração de cada ser humano. Ser pregado despido numa cruz e ser exibido publicamente, morrer lentamente entre zombarias e escárnios, era a morte mais torturantemente dolorosa e humilhante que poderia ser imaginada. E foi exatamente isso que o insignificante ser humano fez ao seu Criador! Nós precisamos cair com o rosto em terra, tomados de horror, em profundo arrependimento, dominados pela vergonha, pois não foram somente a turba sedenta de sangue e os soldados zombeteiros que O pregaram à cruz, mas sim nossos pecados!


A cruz revela a malignidade do homem e o amor de Deus

Assim sendo, a cruz revela, pela eternidade adentro, a terrível verdade de que, abaixo da bonita fachada de cultura e educação, o coração humano é “enganoso... mais do que todas as cousas, e desesperadamente corrupto” (Jr 17.9), capaz de executar o mal muito além de nossa compreensão, até mesmo contra o Deus que o criou e amou, e que pacientemente o supre. Será que alguém duvida da corrupção, da maldade de seu próprio coração? Que tal pessoa olhe para a cruz e recue dando uma reviravolta, a partir de seu ser mais interior! Não é à toa que o humanista orgulhoso odeia a cruz!

Ao mesmo tempo que a cruz revela a malignidade do coração humano, entretanto, ela revela a bondade, a misericórdia e o amor de Deus de uma maneira que nenhuma outra coisa seria capaz. Em contraste com esse mal indescritível, com esse ódio diabólico a Ele dirigido, o Senhor da glória, que poderia destruir a terra e tudo o que nela há com uma simples palavra, permitiu-se ser zombado, injuriado, açoitado e pregado àquela cruz! Cristo “a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz” (Fp 2.8). Enquanto o homem fazia o pior, Deus respondia com amor, não apenas Se entregando a Seus carrascos, mas carregando nossos pecados e recebendo o castigo que nós justamente merecíamos.


A cruz prova que existe perdão para o pior dos pecados

Existe, ainda, um outro sério problema com o símbolo, e especialmente o crucifixo católico que exibe um Cristo perpetuamente pendurado na cruz, assim como o faz a missa. A ênfase está sobre o sofrimento físico de Cristo como se isso tivesse pago os nossos pecados. Pelo contrário, isso foi o que o homem fez a Ele e só podia nos condenar a todos. Nossa redenção aconteceu através do fato de que Ele foi ferido por Jeová e “sua alma [foi dada] como oferta pelo pecado” (Is 53.10); Deus fez “cair sobre ele a iniqüidade de nós todos” (Is 53.6); e “carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados” (1 Pe 2.24).

A morte de Cristo é uma evidência irrefutável de que Deus precisa, em Sua justiça, punir o pecado, que a penalidade precisa ser paga, caso contrário não pode haver perdão. O fato de que o Filho de Deus teve que suportar a cruz, mesmo depois de ter clamado a Seu Pai ao contemplar em agonia o carregar de nossos pecados [“Se possível, passe de mim este cálice!” (Mt 26.39)], é prova de que não havia outra forma de o ser humano ser redimido. Quando Cristo, o perfeito homem, sem pecado e amado de Seu Pai, tomou nosso lugar, o juízo de Deus caiu sobre Ele em toda sua fúria. Qual deve ser, então, o juízo sobre os que rejeitam a Cristo e se recusam a receber o perdão oferecido por Ele! Precisamos preveni-los!

Ao mesmo tempo e no mesmo fôlego que fazemos soar o alarme quanto ao julgamento que está por vir, precisamos também proclamar as boas notícias de que a redenção já foi providenciada e que o perdão de Deus é oferecido ao mais vil dos pecadores. Nada mais perverso poderia ser concebido do que crucificar o próprio Deus! E ainda assim, foi estando na cruz que Cristo, em seu infinito amor e misericórdia, orou: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34). Assim sendo, a cruz também prova que existe perdão para o pior dos pecados, e para o pior dos pecadores.


Cuidado: não anule a cruz de Cristo!

A grande maioria da humanidade, entretanto, tragicamente rejeita a Cristo. E é aqui que enfrentamos outro perigo: é que em nosso sincero desejo de vermos almas salvas, acabamos adaptando a mensagem da cruz para evitar ofender o mundo. Paulo nos alertou para tomarmos cuidado no sentido de não pregar a cruz “com sabedoria de palavra, para que se não anule a cruz de Cristo” (1 Co 1.17). Muitos pensam: “É claro que o evangelho pode ser apresentado de uma forma nova, mais atraente do que o fizeram os pregadores de antigamente. Quem sabe, as técnicas modernas de embalagem e vendas poderiam ser usadas para vestir a cruz numa música ou num ritmo, ou numa apresentação atraente assim como o mundo comumente faz, de forma a dar ao evangelho uma nova relevância ou, pelo menos, um sentido de familiaridade. Quem sabe poder-se-ia lançar mão da psicologia, também, para que a abordagem fosse mais positiva. Não confrontemos pecadores com seu pecado e com o lado sombrio da condenação do juízo vindouro, mas expliquemos a eles que o comportamento deles não é, na verdade, culpa deles tanto quanto é resultante dos abusos dos quais eles têm sido vitimados. Não somos todos nós vítimas? E Cristo não teria vindo para nos resgatar desse ato de sermos vitimados e de nossa baixa perspectiva de nós mesmos e para restaurar nossa auto-estima e auto-confiança? Mescle a cruz com psicologia e o mundo abrirá um caminho para nossas igrejas, enchendo-as de membros!” Assim é o neo-evangelicalismo de nossos dias.

Ao confrontar tal perversão, A. W. Tozer escreveu: “Se enxergo corretamente, a cruz do evangelicalismo popular não é a mesma cruz que a do Novo Testamento. É, sim, um ornamento novo e chamativo a ser pendurado no colo de um cristianismo seguro de si e carnal... a velha cruz matou todos os homens; a nova cruz os entretêm. A velha cruz condenou; a nova cruz diverte. A velha cruz destruiu a confiança na carne; a nova cruz promove a confiança na carne... A carne, sorridente e confiante, prega e canta a respeito da cruz; perante a cruz ela se curva e para a cruz ela aponta através de um melodrama cuidadosamente encenado – mas sobre a cruz ela não haverá de morrer, e teimosamente se recusa a carregar a reprovação da cruz”.


A cruz é o lugar onde nós morremos em Cristo

Eis o “x” da questão. O evangelho foi concebido para fazer com o eu aquilo que a cruz fazia com aqueles que nela eram postos: matar completamente. Essa é a boa notícia na qual Paulo exultava: “Estou crucificado com Cristo”. A cruz não é uma saída de incêndio pela qual escapamos do inferno para o céu, mas é um lugar onde nós morremos em Cristo. É só então que podemos experimentar “o poder da sua ressurreição” (Fp 3.10), pois apenas mortos podem ser ressuscitados. Que alegria isso traz para aqueles que há tempo anelam escapar do mal de seus próprios corações e vidas; e que fanatismo isso aparenta ser para aqueles que desejam se apegar ao eu e que, portanto, pregam o evangelho que Tozer chamou de “nova cruz”.

Paulo declarou que, em Cristo, o crente está crucificado para o mundo e o mundo para ele (Gl 6.14). É linguagem bem forte! Este mundo odiou e crucificou o Senhor a quem nós amamos – e, através desse ato, crucificou a nós também. Nós assumimos uma posição com Cristo. Que o mundo faça conosco o que fez com Ele, se assim quiser, mas fato é que jamais nos associaremos ao mundo em suas concupiscências e ambições egoístas, em seus padrões perversos, em sua determinação orgulhosa de construir uma utopia sem Deus e em seu desprezo pela eternidade.

Crer em Cristo pressupõe admitir que a morte que Ele suportou em nosso lugar era exatamente o que merecíamos. Quando Cristo morreu, portanto, nós morremos nEle: “...julgando nós isto: um morreu por todos, logo todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2 Co 5.14-15).

“Mas eu não estou morto”, é a reação veemente. “O eu ainda está bem vivo”. Paulo também reconheceu isso: “...não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço” (Rm 7.19). Então, o que é que “estou crucificado com Cristo” realmente significa na vida diária? Não significa que estamos automaticamente “mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus” (Rm 6.11). Ainda possuímos uma vontade e ainda temos escolhas a fazer.


O poder sobre o pecado

Então, qual é o poder que o cristão tem sobre o pecado que o budista ou o bom moralista não possui? Primeiramente, temos paz com Deus “pelo sangue da sua cruz” (Cl 1.20). A penalidade foi paga por completo; assim sendo, nós não tentamos mais viver uma vida reta por causa do medo de, de outra sorte, sermos condenados, mas sim por amor Àquele que nos salvou. “Nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1 Jo 4.19); e o amor leva quem ama a agradar o Amado, não importa o preço. “Se alguém me ama, guardará a minha palavra” (Jo 14.23), disse o nosso Senhor. Quanto mais contemplamos a cruz e meditamos acerca do preço que nosso Senhor pagou por nossa redenção, mais haveremos de amá-lO; e quanto mais O amarmos, mais desejaremos agradá-lO.

Em segundo lugar, ao invés de “dar duro” para vencer o pecado, aceitamos pela fé que morremos em Cristo. Homens mortos não podem ser tentados. Nossa fé não está colocada em nossa capacidade de agirmos como pessoas crucificadas mas sim no fato de que Cristo foi crucificado de uma vez por todas, em pagamento completo por nossos pecados.

Em terceiro lugar, depois de declarar que estava “crucificado com Cristo”, Paulo acrescentou:  “logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2.20). O justo “viverá por fé” (Rm 1.17; Gl 3.11; Hb 10.38) em Cristo; mas o não-crente só pode colocar sua fé em si mesmo ou em algum programa de auto-ajuda, ou ainda num guru desses bem esquisitos.


A missa: negação da suficiência da obra de Cristo na cruz

Tristemente, a fé católica não está posta na redenção realizada por Cristo de uma vez para sempre na cruz, mas na missa, que, alegadamente, é o mesmo sacrifício como o que foi feito na cruz, e confere perdão e nova vida cada vez que é repetida. Reivindica-se que o sacerdote transforma a hóstia e o vinho no corpo literal e no sangue literal de Cristo, fazendo com que o sacrifício de Cristo esteja perpetuamente presente. Mas não há como trazer um evento passado ao presente. Além do mais, se o evento passado cumpriu seu propósito, não há motivo para querer perpetuá-lo no presente, mesmo que pudesse ser feito. Se um benfeitor, por exemplo, paga ao credor uma dívida que alguém tem, a dívida sumiu para sempre. Seria sem sentido falar-se em reapresentá-la ou reordená-la ou perpetuar seu pagamento no presente. Poder-se-ia lembrar com gratidão que o pagamento já foi feito, mas a reapresentação da dívida não teria valor ou sentido uma vez que já não existe dívida a ser paga.

Quando Cristo morreu, Ele exclamou em triunfo: “Está consumado” (Jo 19.30), usando uma expressão que, no grego, significa que a dívida havia sido quitada totalmente. Entretanto, o novo Catecismo da Igreja Católica diz: “Como sacrifício, a Eucaristia é oferecida como reparação pelos pecados dos vivos e dos mortos, e para obter benefícios espirituais e temporais de Deus” (parágrafo 1414, p. 356). Isso equivale a continuar a pagar prestações de uma dívida que já foi plenamente quitada. A missa é uma negação da suficiência do pagamento que Cristo fez pelo pecado sobre a cruz! O católico vive na incerteza de quantas missas ainda serão necessárias para fazê-lo chegar ao céu.


Segurança para o presente e para toda a eternidade

Muitos protestantes vivem em incerteza semelhante, com medo de que tudo será perdido se eles falharem em viver uma vida suficientemente boa, ou se perderem sua fé, ou se voltarem as costas a Cristo. Existe uma finalidade abençoada da cruz que nos livra dessa insegurança. Cristo jamais precisará ser novamente crucificado; nem os que “foram crucificados com Cristo” ser “descrucificados” e aí “recrucificados”! Paulo declarou: “porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus” (Cl 3.3). Que segurança para o presente e para toda a eternidade!

Fonte: [Ortopraxia]