quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Eucaristia: Seu valor na espiritualidade reformada


Há muito tempo venho andando no caminho da racionalidade em meio à fé. No afã de desmistificar o mistificado, acabei dando conta de que quase nada havia sobrado sem abalos na crença que havia cultivado até então. Os conhecimentos parapsicológico, psicanalítico, teológico, histórico e cultural, adquiridos em seminários, pesquisas, leituras, cursos e debates com especialistas, sendo alguns renomados nestas áreas, não me deixaram dúvidas de que as experiências religiosas de modo geral e principalmente as manifestações pentecostais não são mais que um subproduto da mente humana.

Diante dessa perspectiva, vinha, há alguns anos, lutando contra mim mesmo. De um lado o “eu” crendo e levando as pessoas a crerem num Deus presente. De outro lado o “eu” acreditando que todo benfazejo que poderia contemplar o crente, adviria unicamente de sua própria fé, o que explicaria todas as manifestações de cura e transformação de conduta que também ocorrem entre aqueles que crêem e seguem princípios de espiritualidade estranhos ao cristianismo. Nessas horas de conflito, meu principal ponto de apoio era creditar a força da fé que opera a um prévio dom divino dado a todas as pessoas indiscriminadamente, de forma que todo poder de operar milagres já estaria potencialmente presente, na pessoa, à espreita da fé. Embora plausível, essa premissa nunca foi capaz de satisfazer minha busca, pois não me agradava a idéia de um Deus impessoal, que dispõe aos seus filhos um mecanismo (a fé) que deverão aprender a usar sozinhos, abandonados à própria sorte no curso da vida.


Nesse tempo, observei que as igrejas evangélicas, bem como o catolicismo popular, aprenderam o poder da simbologia e em função disso lançam mão de todo tipo de amuletos para certificar a fé do fiel. Assim, mistificam diversos elementos como água do rio Jordão, terra de Israel, sal ungido, fitinhas (com ou sem nós), medalhas, anéis, rosa ungida, cruz vazada e outras tantas formas de “feitiçaria gospel”. O fato é que não podemos negar o sucesso obtido por meio desses amuletos no que se refere ao estimulo da fé. Muitos têm sido, por esses meios, curados de forma inexplicável. Considerei então que se elementos mistificados pela fé humana podem produzir tal efeito, quanto mais eficaz deve ser o que é de fato místico! Mas o que é de fato místico?


Temos por místico a Deus e seu fazejo espiritual. É por isso que, nessa mesma perspectiva, Calvino defendeu que o Santo Batismo e a Santa Eucaristia deveriam ser chamados de sacramentos, já que estes foram instituídos pelo próprio Senhor Jesus, de forma que negar seu valor místico seria negar a divindade de Cristo e o valor de suas palavras. É por isso que não pode desvalorizar os Santos Sacramento quem valoriza a Santa Palavra daquele que os instituiu.

Minha luta interior tomou resolução ao tempo em que compreendi que, ao contrário dos “amuletos da fé”, os sacramentos não são produtos, nem subprodutos da mente humana, mas instituição do próprio Deus. Na eucaristia o pão que partimos, partiu das mãos do Senhor Jesus, e ainda hoje o partimos de forma muito semelhante a que se fazia no primeiro século, como se das mãos do próprio Cristo o recebêssemos. O Cristo que manifestou a presença de Deus conosco, apresenta-se entre nós pela Eucaristia, a Palavra e o Espírito, acercando-nos por estes meios eficazes, a fim de nutrir nossa frágil fé e dar-se de igual modo ao rico e ao pobre, ao letrado e o indouto, ao forte e ao fraco.

Eis um mistério: Deus se fez homem; o verbo virou gente; o Espírito se fez carne; o místico se fez físico. Então o verbo encarnado, Jesus, como Filho mostrou o Pai, como homem revelou Deus; da mesma forma que o pão e o vinho, pelo poder do Espírito e da Palavra Divina, revelam Cristo em nós; e o físico nos traz o místico. Por esta clara razão os discípulos que acompanhavam Cristo no caminho a Emaús O reconheceram somente quando se deu o ato de partir o pão. Naquele mesmo momento também compreenderam as palavras de Cristo que lhes ardia no coração. E é este o efeito que a Eucaristia nos proporciona: permite-nos identificar sua presença e compreendermos o poder de sua Palavra. A falta de discernimento do Corpo de Cristo tem provocado uma letargia espiritual e privado muitos fiéis da presença real de Cristo e da vida promulgada nas Escrituras Sagradas, razão pela qual, tendo passado o período da reforma da igreja, vivemos um período de deforma da mesma. Disso já advertia São Paulo: “Pois, a pessoa que comer do pão ou beber do cálice sem reconhecer que se trata do corpo do Senhor, estará sendo julgado ao comer e beber para o seu próprio castigo. É por isso que muitos de vocês estão doentes e fracos, e alguns já morreram” (I Cor.11:29-30 NTLH).

Quanto a mim, depois de tanto tempo peregrinando a rota da razão, rendi-me a fé no que é realmente místico e me faz compreender o que não explico, nem poderia explicar, pois se um milagre fosse explicável, não seria milagre. E novamente encontro em Calvino a melhor forma de expressar o que é sacramento: “Um Mistério”! E que melhor forma haveria de expressar Cristo no que tange seu nascimento, sua vida, sua morte, sua ressurreição, ascensão e gloriosa vinda? Crer neste mistério implica crer naquele, pois são unos. Foi este o mistério uno que Ele mesmo ordenou que proclamássemos ao comer de seu corpo e beber de seu sangue.

E assim, quando Deus me encontrou, também se deixou ser por mim encontrado.


Visto em Julio Zamparetti Fernandes (blog), e divulgado no Olhar Reformado.