quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O que foi impossível à lei. - João Calvino


 - ( Rm 8.3 ) -

O Senhor nos justificou em Cristo, movido por sua soberana misericórdia. Tal coisa é impossível à lei fazer. Todavia, visto que esta cláusula é por demais notável, examinemos cada uma de suas partes.

O apóstolo afirma em termos claros que os nossos pecados foram expiados pela morte de Cristo, visto que era impossível que a lei nos conferisse a justiça. Daqui se infere que muito mais nos é ordenado na lei do que somos capazes de fazer. Se fôssemos capazes de cumprir a lei, não teria sido necessário buscar remédio em outra fonte. Portanto, é simplesmente absurdo medir a força humana pelos preceitos da lei, como se Deus, ao ordenar o que é justo, houvera considerado o caráter e a extensão de nossas faculdades.

No que estava enferma pela carne. Para que ninguém imaginasse que o apóstolo estava sendo irreverente, acusando a lei de enferma, ou restringindo-a às simples observâncias cerimoniais, ele expressamente afirma que esta defecção não era devido a alguma falha na lei, e, sim, às corrupções de nossa carne. E preciso admitir que, se alguém pudesse satisfazer a lei divina em termos absolutos, então o mesmo seria justo diante de Deus. Portanto, o apóstolo não nega que a lei seja suficiente para justificar-nos no que respeita à doutrina, visto que a mesma contém a norma perfeita de justiça. Contudo, visto que nossa carne não atinge essa justiça, todo o poder da lei falha e se desvanece. Por isso não é difícil refutar o erro ou, antes, a ilusão daqueles que imaginam que Paulo está privando somente as cerimônias da virtude de justificar. Porquanto Paulo expressamente põe a culpa em nós mesmos, e declara que ele não encontra falha na própria doutrina da lei.

Além do mais, é preciso que entendamos a enfermidade da lei no sentido em que o apóstolo usualmente toma a palavra, a qual significa não simplesmente uma leve fraqueza, e, sim, impotência. Ele adota este sentido com o fim de enfatizar que não é absolutamente a função da lei conceder justiça. Vemos, pois, que estamos inteiramente excluídos da justiça de Cristo, visto que não pode haver justiça em nós mesmos. Tal conhecimento é especialmente necessário, porque jamais seremos vestidos com a justiça de Cristo, a menos que antes saibamos com certeza que não possuímos em nós qualquer justiça que mereça chamar-se nossa. A palavra carne é sempre usada no mesmo sentido, significando nós próprios. A corrupção, pois, de nossa natureza torna a lei de Deus de nenhuma utilidade para nós. Embora nos mostre o caminho da vida, ela não nos impede de nos precipitarmos de ponta cabeça na morte.

Isso fez Deus enviando seu próprio Filho. Ele agora mostra a maneira como nosso Pai celestial nos restaurou à justiça por intermédio de seu Filho. O Pai condenou o pecado na carne de Cristo, ou seja: ao cancelar o escrito de dívida [Cl 2.14], ele aboliu a culpa que nos mantinha condenados na presença de Deus. A condenação proveniente do pecado nos trouxe para a justiça, porque, visto que nossa culpa foi desfeita, estamos absolvidos, de sorte que Deus nos considera justos. Em primeiro lugar, contudo, Paulo afirma que Cristo foi enviado, a fim de lembrar-nos que a justiça de forma alguma reside em nós, já que devemos buscá-la nele. E em vão que os homens confiam em seus próprios méritos, porquanto são justos somente através do beneplácito de outro, ouse apropriam da justiça procedente da expiação que Cristo efetuou em sua carne. Cristo, diz ele, veio na semelhança de carne pecaminosa. Embora a carne de Cristo fosse incontaminada por qualquer mancha, ela tinha a aparência de pecaminosidade, visto que levava em si o castigo devido aos nossos pecados. Certamente, a morte manifestava, na carne de Cristo, cada partícula de seu poder, como se sua carne se sujeitasse [espontaneamente] à morte. Visto que nosso Sumo Sacerdote tinha que aprender, de experiência própria, o que significa participar da fraqueza [Hb 4.15], aprouve a Cristo carregar nossas enfermidades, a fim de poder inclinar-se para nós com mais compaixão. Neste aspecto, também, transpareceu nele uma certa semelhança [—imago] com a nossa natureza pecaminosa.

Fonte: [O Calvinista]

A Doutrina Da Eleição | John Piper


Fonte: [Youtube]

Como lidar com filosofias competidoras? - John Piper


Fonte: [Youtube]

Saul consultou ao Senhor, ou não? - Thomas Howe


- (1 CRÔNICAS 10:13,14) -

- PROBLEMA: Em 1 Samuel 28:6, o texto diz: "Consultou Saul ao Senhor", porém este não lhe respondeu". Entretanto, 1 Crônicas 10:13,14 diz exatamente o oposto, ou seja: "Assim, morreu Saul... porque interrogara e consultara uma necromante e não ao Senhor, que por isso o matou". Como estas duas afirmações podem estar corretas?


SOLUÇÃO: Em primeiro lugar convém observar que neste caso são empregadas duas palavras diferentes, com diferentes significados, O texto de 1 Samuel usa a palavra hebraica shaal, que geralmente significa apenas "perguntar", "consultar" ou "requerer". O texto de 1 Crônicas, por sua vez, emprega a palavra darash, que normalmente significa "procurar" ou "ir atrás de alguma coisa.


Em outras palavras, não foi com sinceridade que Saul consultou ao Senhor, não foi com uma real disposição de querer saber a vontade de Deus, mas foi com a esperança de que Deus concordasse com a sua vontade.


Em resumo, Saul consultou o Senhor casualmente, mas não com sinceridade. Ele cumpriu um ritual, mas não estava atrás da realidade.

Thomas Howe

Fonte: [Ortopraxia]

Riscar o Nome do Livro da Vida? - John MacArthur, Jr.


Apocalipse 3:5 O que vencer será vestido de vestes brancas, e de maneira nenhuma riscarei o seu nome do livro da vida; e confessará o seu nome diante de meu Vai e diante dos seus anjos.


Cristo promete a todo cristão verdadeiro que Ele de maneira nenhuma riscará o seu nome do livro da vida, mas confessará o seu nome diante do Pai e diante dos seus anjos. Incrivelmente, embora o texto diga exatamente o oposto, algumas pessoas assumem que esse versículo ensina que o nome de um cristão pode ser riscado do livro da vida. Assim, eles tolamente transformam uma promessa numa ameaça.

Êxodo 32:33, alguns argumentam, apoia a idéia que Deus pode remover o nome de alguém do Livro da Vida. Nessa passagem, o Senhor diz a Moisés que "aquele que pecar contra mim, a este riscarei do meu livro". Não há contradição, contudo, entre essa passagem e a promessa de Cristo em Apocalipse 3:5. O livro mencionado em Êxodo 32:33 não é o Livro da Vida descrito em Filipenses 4:3, e mais tarde em Apocalipse (13:8; 17:8; 20:12, 15; 21:27). Pelo contrário, refere-se ao livro dos vivos, o registro daqueles que estão vivos (cf. SI. 69:282). A ameaça, então, não é a condenação eterna, mas a morte física.

Nos dias de João, os governantes mantinham um registro dos cidadãos da cidade. Se alguém morresse, ou cometesse um crime sério, seu nome era riscado desse registro. Cristo, o Rei do céu, promete jamais riscar o nome de um cristão verdadeiro do rol daqueles cujos nomes foram "escritos, desde a fundação do mundo, no livro da vida do Cordeiro que foi morto" (Ap. 13:8, versão do autor).

Pelo contrário, Cristo confessará o nome de todo crente diante de Deus o Pai e diante dos seus anjos. Ele afirmará que eles lhe pertencem. Aqui Cristo reafirma a promessa que fez durante seu ministério terreno: "Portanto, qualquer que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus" (Mt. 10:32). A verdade confortadora que a salvação do cristão verdadeiro está eternamente segura é o ensino inequívoco da Escritura. Em nenhum lugar essa verdade é mais fortemente declarada que em Romanos 8:28-39:

E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou. Que diremos, pois, a estas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? E Deus quem os justifica. Quem é que condena? Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito: Por amor de ti somos entregues à morte todo o dia; Somos reputados como ovelhas para o matadouro. Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.

Fonte: [Ortopraxia]

Está Consumado! – Arthur W. Pink


“Quando Jesus tomou o vinagre, disse: Está consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito” — João 19:30.

Quão terrivelmente estas benditas palavras de Cristo têm sido mal-entendidas, mal-apropriadas e mal-aplicadas! Quantos parecem pensar que, sobre a cruz, o Senhor realizou uma obra que torna desnecessário que os beneficiários dela viva vidas santas sobre a terra. Muitos têm sido enganados com o pensamento de que, até onde diz respeito o se alcançar o céu, não importa como eles andem, desde que eles estejam “descansando sobre a obra consumada de Cristo”. Eles podem ser infrutíferos, desonestos, desobedientes, todavia, conquanto que eles repudiem toda justiça própria e tenham fé em Cristo, eles imaginam que estão “eternamente seguros”.

Ao redor de todos nós há pessoas que são mundanas, amantes do dinheiro, buscadores-do-prazer, quebradores do Dia do Senhor, mas que pensam que tudo está bem com elas, pois “aceitaram a Cristo como seu Salvador pessoal”. Em sua aspiração, conversação e recreação, não há praticamente nada que os diferencie daqueles que não fazem nenhuma profissão de fé. Nem em sua vida familiar ou social há algo, exceto pretensões vazias, para distingui-los dos outros. O temor de Deus não está sobre eles, os mandamentos de Deus não têm autoridade sobre eles, a santidade de Deus não os atrai.

“Está consumado”. Quão solene é perceber que estas palavras de Cristo devem ter sido usadas para tranqüilizar milhares com uma falsa paz. Todavia, tal é o caso. Nós temos tido contato próximo com pessoas que não têm nenhuma vida de oração privada, que são egoístas, cobiçosas, desonestas, mas que supõem que um Deus misericordioso fará vistas grossas para tais coisas, desde que eles tenham alguma vez colocado sua confiança no Senhor Jesus. Que horrível perversão da verdade! Que transformação da graça de Deus “em libertinagem”! (Judas 4). Sim, aqueles que agora vivem as vidas mais egoístas e agradáveis à carne, falam sobre sua fé no sangue do Cordeiro, e supõem que estão salvos. Como o diabo os tem enganado!

“Está consumado”. Estas benditas palavras significam que Cristo satisfez de tal forma o requerimento da santidade de Deus, que mais nenhuma santidade tem qualquer reivindicação real e premente sobre nós? Deus não o permita pensarmos tal! Até mesmo para o redimido Deus diz: “Sede santos, assim como Eu sou Santo” (1 Pedro 1:6). Cristo “magnificou a lei e a fez honrosa” (Isaías 42:21), para que pudéssemos ficar sem lei? Ele “cumpriu toda justiça” (Mateus 3:15) para comprar para nós uma isenção de amar a Deus com todo o nosso coração e servi-Lo com todas as nossas faculdades? Cristo morreu para assegurar uma divina indulgência, para que pudéssemos viver para agradar a nós mesmos? Muitos parecem pensar assim. Não, o Senhor Jesus deixou ao Seu povo um exemplo para que eles pudessem “seguir (não ignorar) os Seus passos”.

“Está consumado”. O que está “consumado”? A necessidade dos pecadores se arrependerem? Deveras não. A necessidade de se voltar dos ídolos para Deus? Deveras não. A necessidade de mortificar os meus membros que estão sobre a terra? Deveras não. A necessidade de ser santificado completamente, no espírito, alma e corpo? Deveras não. Cristo não morreu para fazer minha tristeza, meu ódio e o meu empenho contra o pecado desnecessários. Cristo não morreu para me absolver de todas as minhas responsabilidades diante de Deus. Cristo não morreu para que eu pudesse continuar retendo a amizade e comunhão do mundo. Quão extremamente estranho é que alguém possa pensar que Ele tenha feito isso. Todavia, as ações de muitos mostram que esta é a sua idéia.

“Está consumado”. O que está “consumado”? Os tipos sacrificiais foram consumados, as profecias de Seus sofrimentos foram cumpridas, a obra dada a Ele pelo Pai foi perfeitamente realizada, um fundamento certo foi posto, no qual um Deus justo pode perdoar o mais vil transgressor da lei que jogou as armas de sua guerra contra Ele. Cristo já realizou tudo o que era necessário para que o Espírito Santo viesse e operasse nos corações do Seu povo; convencendo-lhes de sua rebelião, destruindo sua inimizade contra Deus, e produzindo neles um coração amoroso e obediente.

Oh, querido leitor, não cometa engano neste ponto. A “obra consumada de Cristo” não lhe beneficia em nada, se o seu coração nunca foi quebrantado através de uma consciência agonizante de sua pecaminosidade. A “obra consumada de Cristo” não lhe beneficia em nada, a menos que você tenha sido salvo do poder e da poluição do pecado (Mateus 1:21). Ela não lhe beneficia em nada, se você ainda ama o mundo (1 João 2:15). Ela não lhe beneficia em nada, a menos que você seja uma “nova criatura” nEle (2 Coríntios 5:17). Se você valoriza sua alma, examine as Escrituras para ver por si mesmo; não tome nenhuma palavra de homem no lugar disso.

Fonte: [Ortopraxia]

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Resenha do livro “Cristianismo sem Cristo”, de Michael Horton




Horton, Michael. Cristianismo sem CristoSão Paulo: Cultura Cristã, 2010. 208 pp. Tradução de Neuza Batista.
cristianismo sem cristo
Quem está familiarizado com os escritos do Dr. Michael Horton sabe que não é à toa que ele é tido como um dos maiores e mais competentes pensadores reformados da atualidade. A solidez doutrinária de seus escritos e sua aguda percepção em analisar as coisas que acontecem no mundo dito cristão a partir de uma ótica reformada (e confessional), aliadas à sua imensa capacidade argumentativa (que nem sempre é tão sistemática e lógica quanto gostaríamos, é verdade) e de exímio pesquisador que é, são fatores que tem justificado seu prestígio mesmo entre alguns cristãos de perspectiva não-reformada (e não-confessional).
Agora, ele nos brinda com um de seus livros mais polêmicos, cujo título não só é intencionalmente provocativo, mas essencialmente reflexivo: Cristianismo sem Cristo – que, nas palavras do bispo metodista William Willimon (prefaciador da obra), também pode ser encarado como uma “polêmica induzida de Cristo” (p. 10). Se essa afirmação soa pretensiosa e arrogante demais, só mesmo lendo a obra para descobrir.
Algo marcante nos escritos de Horton é que ele é sempre muito seletivo nas citações de obras e estatísticas que usa em suas pesquisas, objetividade que o distingue de muitos escritores prolixos e cansativos, apesar de ser ele mesmo um pouco repetitivo às vezes. Por exemplo, ele pode muito bem começar falando de um assunto, bruscamente interrompê-lo, e voltar a repeti-lo em outro capítulo que, em princípio, deveria tratar sobre outra coisa. Por este motivo é que esta breve resenha é mais sistemática (análise por assunto) do que linear (análise de cada capítulo separadamente).
Apesar do “auê” que o título da obra pode causar nos leitores mais apaixonados, Horton se apressa em dizer que, a despeito de sua superficialidade, desatenção e humanismo, a igreja contemporânea ainda não chegou ao que ele chama de “cristianismo sem Cristo”, mas está a caminho (p. 10). Esse esclarecimento é importante especialmente porque aqueles de perfil mais polemista correm o risco de ser mais radicais do que o autor da obra na qual tanto se deleitam (assim como tem gente que quer ser mais calvinista que Calvino). Entretanto, não estão equivocados aqueles que entenderem que Horton está apenas sendo eufêmico, adiando a bomba que está prestes a estourar no desenrolar de sua argumentação.
Mas, o que vem a ser, finalmente, esse tal “cristianismo sem Cristo”? O autor o definiria como sendo “uma história sobre nós [nossos feitos] em vez de uma história sobre o Deus Trino que nos transporta para o drama em andamento [os feitos de Deus]” (p. 91). Cristianismo sem Cristo é quando “Deus e Jesus ainda são importantes, porém mais como parte do elenco de apoio do nosso próprio show” (p. 17). Nesse sentido, o cristianismo sem Cristo é deísta, visto que não é mais Deus quem governa as coisas, e sim o homem; émoralista, visto que o imperativo “faça mais, esforce-se mais” (p. 10) – ou, a famosa máxima de Benjamin Franklin de que “Deus ajuda a quem se ajuda” – está no âmago da religiosidade que norteia a maior parte das igrejas contemporâneas; e é terapêutico, visto que “não há pecado nem culpa a ser perdoados por Deus, mas apenas os pesos e sentimentos de culpa por não corresponder às expectativas de si mesmo ou de outros seres humanos” (p. 37). Finalmente, Horton diz que a “chave” para essa sua crítica “é que, uma vez que você faz sua paz de espírito em vez de paz com Deus, que é o principal problema a ser resolvido, todo o evangelho é radicalmente definido”, e que “a autorrealização, a autossatisfação e a autoajuda são todas distorções contemporâneas de uma heresia antiga, que Paulo identificou como obras de justiça” (p. 34). Nesse sentido, entendo que a obra de Horton é, antes de tudo, uma forte argumentação e clamor em prol da doutrina bíblica da justificação pela fé somente, que os reformadores entenderam ser o coração do evangelho.
Para efeito de síntese, Horton faz um quadro comparativo muito interessante entre o cristianismo sem Cristo (que ele chama de “lei leve”) e o verdadeiro evangelho (p. 158):
Lei Leve
O evangelho
Deus como treinador de vida
Deus como Juiz e Justificador
Bom conselho (fazendo)
Boas-novas (feito)
Cristo como exemplo
Cristo como Salvador
A Bíblia como manual de instrução
A Bíblia como mistério de Cristo sendo revelado
Sacramentos como meio de compromisso
Sacramentos como meios de graça
A igreja como recurso de autoajuda (foco no nosso serviço/ministério)
A igreja como embaixada da graça (foco no serviço/ministério de Deus)
Nós subimos até Deus
Deus desce até nós
Nós enviamos a nós mesmosDeus nos envia
O diagnóstico que Horton dá para essas distorções divide-se em basicamente dois braços. O primeiro é baseado num estudo realizado pelo sociólogo Christian Smith, que definiu a religiosidade norte-americana como sendo um “deísmo moralista e terapêutico” (p. 34), conceito este que Horton vai usar em praticamente todo o livro. Não se trata de apenas uma frase de efeito, mas Horton se preocupa em mostrar estudos e estatísticas que comprovam a sua veracidade, como ele mesmo avisa na página 18. O segundo braço do diagnóstico é teológico: Pelagianismo – é o “termo teológico para esta moléstia”, diz ele (p. 37). “Afinal de contas, é a nossa teologia mais natural”, ironiza.
Mas apesar de traçar paralelos entre o cristianismo sem Cristo e certas distorções teológicas que marcaram a história da Igreja (como o gnosticismo, o semi-pelagianismo e o liberalismo teológico, por exemplo), Horton chega a admitir que “o ‘cristianismo sem Cristo’ é invasivo, atravessa o espectro liberal-conservador e todas as linhas denominacionais” (p. 22), motivo pelo qual “nenhuma denominação está livre desse cativeiro, incluindo a minha, e ninguém, incluindo eu mesmo” (p. 23). Ironicamente, essa nova religiosidade não é tão profunda quanto se pretende, mas é exatamente vazia (niilista?). “Muito do que estou chamando de ‘cristianismo sem Cristo’”, diz Horton, “não é profundo o suficiente para constituir heresia”, comparando a mensagem do cristianismo sem Cristo com aquele tipo de música de fundo que ouvimos tocar nos estabelecimentos comerciais: “trivial, sentimental, aceitada e irrelevante” (p. 17). E mais: “O Deus da religião norte-americana contemporânea é trivial demais para valer o nosso tempo” (p. 91). Mas é exatamente isso que torna esse novo tipo de religiosidade mais perigoso do que seus antecedentes gnósticos, pelagianos e liberais.
O liberalismo começou por subestimar a doutrina em favor do moralismo e da experiência interior, perdendo Cristo por hierarquia. No entanto, é mais tolice que heresia que está nos matando. Deus não é negado, mas banalizado – usado para nossos programas de vida, e não recebido, adorado e usufruído [p. 20 – ênfase minha].
Englobando as Pessoas da Trindade nesse sacrílego processo de trivialização, Horton observa que no cristianismo sem Cristo “Deus é usado como um recurso pessoal, em lugar de ser conhecido, adorado e confiado; Jesus Cristo é um treinador com um plano de jogo bom para nossa vitória, em vez de um Salvador que já alcançou a vitória para nós; […] e oEspírito Santo é uma tomada elétrica que podemos ligar para obter o poder necessário para sermos tudo o que podemos ser” (p. 17 – negrito meu). Aliás, Horton esbanja nos adjetivos que o cristianismo sem Cristo tem conferido a Jesus. Ele observa que “Jesus tem sido vestido como um […] treinador de vida, guerreiro de cultura, revolucionário político, filósofo, copiloto, companheiro de sofrimento e parceiro na realização de nossos sonhos pessoais e sociais” (p. 21); ou como um “mascote na guerra das culturas” (p. 166); ou ainda, em um simples “ponto de encontro para jogos de futebol e inauguração de shopping centers” (p. 64)Porém, o resultado disso tudo, diz Horton, em vez de um relacionamento verdadeiro com o Filho de Deus, “é um apego vago e sentimental por alguém que é mais um amigo invisível do que o Salvador dos ímpios, encarnado, morto e ressuscitado, que subiu e é Rei” (p. 64). O cristianismo sem Cristo definitivamente não contempla o Jesus das Escrituras – Histórico, Redentor, Deus!
Tudo isso, naturalmente, leva a uma banalização não somente de Cristo, mas também dos meios de graça por Ele instituídos. O Batismo e a Ceia, por exemplo, são transformados em “meios de compromisso” – um “veículo da experiência pessoal” (p. 142), uma vez que o indivíduo é levado a pensar que tanto a salvação como a manutenção desta dependem única e exclusivamente dele mesmo.
Para muitos de nós, criados em contexto evangélico-conservador onde a pregação era principalmente uma exortação para fazer mais, o Batismo foi nosso ato de compromisso em vez de ser o ato de compromisso de Deus, a Ceia do Senhor era um meio de nossa lembrança em vez de um meio da graça de Deus e muitos hinos eram expressões da nossa piedade mais que um relato das misericórdias maravilhosas de Deus na história da redenção [p. 154].
Mas Horton faz questão de nos lembrar que “o Batismo não é nosso ato de compromisso, com base em nossa decisão, é o ato de compromisso de Deus, baseado em sua decisão. […] A Ceia do Senhor não é nossa lembrança e reconsagração, mas se centra na promessa de Deus de nos dar seu Filho como nosso alimento e bebida – certificando e ratificando nossa inclusão no pacto da graça” (p. 180).
Todos esses “apelos para a ação sem o anúncio da ação de Deus”, segundo Horton, está gradualmente “desevangelizando” a igreja (p. 155). Ela se imiscuiu tanto na agenda secular que, em sua tentativa de tornar o evangelho relevante, perdeu-se pelo caminho, transformando as boas-novas da salvação em meros estímulos morais de autoajuda. E é justamente aqui que Horton vai fazer críticas ferrenhas ao tipo de pregação e pregadores que o cristianismo sem Cristo (ou, quase sem Cristo, na melhor da hipóteses) tem produzido, justamente pelo fato de que esta pregação, como vimos, exorta o espectador a sempre “fazer mais”. Charles Finney, Joel Osteen, Robert Schuller, Rick Warren, Joyce Meyer e o emergente Brian McLaren, dentre outros, não escapam da flecha certeira de Horton. Para ele, as pregações dos tais não diferem muito do que podemos encontrar nos ditos do Dr. Phill ou da Oprah Winfrey (p. 15 – trazendo para o nosso contexto, algo parecido com Super Nani, Max Gehringer e Ana Maria Braga). Por este motivo, não é mesmo a toa que, “na autoajuda secular, as vendas dos gurus chegam perto dos concorrentes evangélicos” (p. 58). Esse tipo de pregação, para Horton, também tira Cristo do cristianismo.
Quando a mensagem básica da igreja é menos sobre quem é Cristo e o que ele fez de uma vez por todas para nós e mais sobre quem somos e o que temos que fazer para tornar a vida dele (e a nossa) relevante para a cultura, a religião que é feita “relevante” não é mais o cristianismo [p. 118].
É nesse ínterim que Horton também vai criticar a tendência desse tipo de religião em moralizar e alegorizar as histórias bíblicas, como se a sabedoria da Escritura se nivelasse àquelas encontradas nas fábulas de Esopo (p. 121). De fato, é muito comum vermos isso acontecer nos dias de hoje. A pregação é tudo, menos exegética. O que sobra disso só pode ser mesmo alegorias e princípios morais. Daí temos que, assim como Davi, precisamos vencer os “gigantes” em nossas vidas; que temos que nos “atrever” a ser um Daniel; que devemos “sonhar” como José; etc. É por isso que nesse tipo de pregação geralmente Deus nunca está de mau-humor para com os pecadores, mas sempre pronto a recebê-los, não importa como estejam vivendo. Horton relembra de uma ocasião em que entrevistou o Dr. Robert Schuller em um programa de rádio, quando lhe perguntou como ele interpretaria a exortação que Paulo faz a Timóteo em 2 Tm 3.1-5. E, antes mesmo de terminar de articular sua pergunta, Schuller respondeu apressado às palavras apostólicas, dizendo: “Eu espero que você não pregue isso. Vai magoar um monte de gente bonita” (p. 28). Para Horton, coisas desse tipo não passam de “autoajuda pelagiana e autodeificação gnóstica” (p. 59), onde Deus novamente é nosso coadjuvante no esquema do já denunciado “deísmo moralista terapêutico”.
Em um paradigma terapêutico, não só o membro da igreja, mas o próprio Deus é colocado no sofá enquanto nós interpretamos, com empatia, os sentimentos dele. Deus nunca está com raiva ou é crítico em relação às pessoas; na verdade, ele é mais angustiado que nós, visto que sabe o quanto nossas ações podem nos prejudicar. […] Podemos até nos sentir inclinados a sentir pena desta divindade [p. 48].
Mesmo que esses assuntos estejam largamente presentes na agenda do pessoal do movimento de igreja emergente (a quem Horton faz fortes críticas nos capítulos 4 e 6, especialmente) e dos adeptos do teísmo aberto, para Horton isso nada mais é do que um eco do antigo liberalismo e do conceito de kantiano de religião moralista em oposição à religião de doutrina (p. 93). Somos ensinados de que não devemos apenas pregar o evangelho, mas sobretudo ser o evangelho. É aquela velha máxima atribuída a S. Francisco de Assis: “evangelize sempre; se necessário, use palavras” – como se nossas vidas pudessem pregar “melhor do que o evangelho” (p. 127). É muita empáfia! Esse novo legalismo, para Horton (na realidade, um legalismo revisitado), é o “murmúrio otimista e alegre tocando como música de fundo”, que nem nos ameaça com o inferno nem nos conforta com o céu (p. 102). Mais uma vez, Horton nos lembra de que este é o nosso “pelagianismo nativo” (p. 93), uma vez que nosso destino está em nossas próprias mãos.
Ainda tratando dessa questão da busca desenfreada por relevância, Horton argumenta que não precisamos da Bíblia para saber que nossos filhos precisam de padrões regulares de sono; que o segredo para um bom casamento é o diálogo; e que se não administramos bem nossos cartões de crédito eles nos dominam (p. 85). “Qualquer pessoa pode perder peso, parar de fumar, melhorar um casamento e se tornar mais agradável sem Jesus”, garante ele (p. 86). É certo que estimular as pessoas para que estas busquem uma melhor “qualidade de vida” (somente para usar um linguajar que está na moda) não é um mal em si mesmo, mas “mesmo quando coisas boas, santas e apropriadas se confundem com o evangelho, é apenas uma questão de tempo antes de chegarmos ao cristianismo sem Cristo” (p. 91).
Temos visto que, de fato, a “religião moralista de autossalvação é nossa configuração padrão como criaturas caídas” (p. 36). Precisamos urgentemente nos desvencilhar dela. “Chega de nós” (p. 115)! Como clamou William Willimon no prefácio, “vamos colocar Cristo de volta no Cristianismo” (p. 10). Mas a pergunta é: como? Horton arrisca algumas propostas para que sejamos libertos desse cativeiro. Vamos tentar resumi-las:


  1. Precisamos fazer uma urgente distinção entre a lei e o evangelho (p. 103). Do contrário, o que teremos é somente mais e mais ativismo religioso em vez de fé viva e verdadeiramente eficaz. “Nosso padrão é a lei, e não o evangelho, coisas para fazer (imperativos), no lugar de indicativos (coisas para acreditar)” (p. 108). “Confundir a lei e o evangelho é a tendência natural do coração caído. Todas as religiões – incluindo o cristianismo sem Cristo, que não é cristianismo de jeito nenhum – pressupõem alguma forma de redenção por esforço próprio [..] Deixe a lei ser lei e o evangelho ser evangelho” (p. 102);


  2. Precisamos pregar corretamente a lei (p. 106), porque “até que nossa pregação da lei tenha exposto nossos corações e a santidade de Deus a esse nível profundo, nossos ouvintes jamais irão para Cristo em busca de segurança, mesmo que venham até nós para conselho” (p. 107);


  3. Precisamos nos preocupar com as necessidades realmente primárias (p. 115). “Os gentios amam a sabedoria, então lhes mostre um Jesus que é mais inteligente em resolver enigmas da vida diária e a igreja vai ter uma multidão de adeptos”. Contudo, “a igreja”, diz Horton, “existe para mudar o assunto de nós e de nossos atos para Deus e seus atos de salvação, e de nossas missões de salvar o mundo para a missão de Cristo, que já realizou a redenção” (p. 115). O que precisamos é de um novo paradigma: “de nossa agenda para a agenda de Deus” (p. 168);


  4. Precisamos recuperar os conceitos do cristianismo bíblico, resgatando-os da trivialização pós-moderna (p. 116). “Cristianismo sem Cristo não significa religião ou espiritualidade desprovida das palavras Jesus, Cristo, Senhor ou até mesmo Salvador. Significa que a forma como esses nomes e títulos são empregados os deslocará de seu local específico no desdobramento histórico da trama da rebelião humana e do resgate divino, e de práticas como o Batismo e a Ceia. Jesus como treinador de vida, terapeuta, amigo, outro significativo, fundador da civilização ocidental, messias político, exemplo de vida radical e outras inúmeras imagens podem nos distrair do escândalo e da loucura de ‘Cristo e este crucificado’” (p. 117); e, por último,


  5. Precisamos que nossa missão se oriente pelo evangelho, não pela “justiça decorrente das obras” (p. 165). No afã de ganhar o mundo inteiro, muitas vezes temos perdido nossas marcas – identidade reformada; e por vezes amamos tanto as marcas que temos negligenciado a missão – evangelização. Precisamos manter acesas as duas coisas, porque “sem as marcas a missão é cega; sem a missão, as marcas estão mortas” (p. 166).
Como as resenhas geralmente fazem com que corramos o risco de reduzir o conteúdo da obra aos nossos próprios termos, iremos parar por aqui. Mas cabem mais algumas observações pontuais ao livro como um todo. Agora me refiro à questão estética – enfim, todo o processo editorial. Elogios e críticas também são oportunos nesse aspecto. Primeiramente quero parabenizar a Editora Cultura Cristã – além do fato de pôr nas mãos do público de fala portuguesa uma obra de tamanha envergadura teológica como esta que temos aqui, é claro – pelo trabalho dos revisores em explicar certas expressões e conceitos próprios da cultura e linguajar norte-americanos (pp. 17, 19, 21, 29, 33, 60, 64, 86, 93, 95, 136, 140, 169, 181, 192 e 201), coisas estas que, na maioria das vezes, muitos tradutores e revisores não explicam. Em alguns casos, compreender tais conceitos torna-se essencial à compreensão do que o autor quer transmitir. Isso denota uma preocupação e respeito dos editores pelo leitor que é leigo em outras culturas.
Em relação aos pontos que poderiam ter sido melhores podemos citar a falta de um índice onomástico e de assuntos, o que em muito facilitaria a pesquisa e pouparia o leitor (inclusive quem resenha!) de exaustivas anotações marginais (embora saibamos que o processo para tal é um pouco demorado, tendo em vista a “urgência” da publicação). Quanto aos erros de digitação, gramática e afins, foram tão leves que chegam a ser insignificantes (pp. 15, 137, 138, 139, 143, 176, 179, 182 e 187). E poderia também ter aquela tradicional folha em branco na última página (na qual consta o tipo de papel, a imprensa, etc.), pois sua falta deixa aquela impressão de que o livro ainda não chegou ao seu fim, especialmente no caso do livro em questão, que Horton conclui com uma citação sem acrescentar aquelas costumeiras observações, doxologias ou apelos. Mas nenhuma dessas faltas, evidentemente, é capaz de tirar o brilho da obra desse estimado pensador, que certamente perdurará como um dos textos apologéticos mais importantes desta década. Quem ainda não leu, é bom se apressar, antes que os três mil exemplares se esgotem!
Soli Deo Gloria!

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O poder de Deus na conversão de almas – Thomas Watson (1620-1686)



O mesmo poder que atrai o pecador a Deus é o que conduziu Cristo para fora da sepultura e o levou ao céu (Ef 1.19). Um grande poder é manifestado na conversão, maior que o manifestado na criação. Quando Deus fez o mundo não encontrou oposição. Não tinha nada para ajudá-lo nem tinha nada para atrapalhá-lo, mas quando converte um pecador, encontra oposição. Satanás se opõe a Deus, também o coração do homem se opõe a Deus; pois o pecador está irado em relação à graça que o pode converter. O mundo foi "obra dos teus dedos" (SI 8.3). A conversão é o trabalho de "seu braço" (Lc 1.51 I.

Na criação, Deus operou somente um milagre, ele pronunciou sua palavra; mas, na conversão. Deus executa muitos milagres. O cego vê, o morto é ressuscitado, o surdo ouve a voz do Filho de Deus. Quão infinito é o poder de Jeová. Ante o seu cetro, os anjos se cobriam e se prostravam, os reis lançavam suas coroas aos seus pés. "Porque o Senhor, o SENHOR dos Exércitos, é o que toca a terra, e ela se derrete" (Am 9.5). "Quem move a terra para fora do seu lugar, cujas colunas estremecem" (Jó 9.6). Um terremoto faz que a terra trema sobre seus pilares, mas Deus pode remover a terra de seu centro.

Ele pode fazer o que quiser, seu poder é tão grande quanto sua vontade. Se o poder dos homens fosse tão grande quanto suas vontades, quão terríveis seriam as coisas que fariam no mundo. O poder de Deus é de igual extensão à sua vontade. Com uma palavra pode remover as rodas e quebrar o eixo da criação. Ele pode fazer "mais do que ... pensamos" (Ef 3.20). Ele pode parar os agentes naturais. Ele calou as bocas dos leões; fez o fogo não queimar; fez as águas ficarem em pé como dois montes; ele fez que o Sol retomasse 10 graus no relógio solar de Acaz (Is 38.8). Quem pode apresentar onipotência? "Ele quebranta o orgulho dos príncipes" (SI 76.12). Ele contra-ataca seus inimigos abaixando suas bandeiras e suas faixas de orgulho, ridicularizando seus conselhos, quebrando suas forças; e tudo isso faz facilmente com um movimento de sua mão, "pelo sopro de sua boca" (SI 33.6; Is 40.24). Um olhar, um lance de seus olhos é o necessário para que Deus destrua seus inimigos: "Na vigília da manhã, o SENHOR, na coluna de fogo e de nuvem, viu o acampamento dos egípcios e alvorotou o acampamento dos egípcios" (Êx 14.24). Quem pode pará-lo em sua marcha?

Deus comanda e todas as criaturas no céu e na terra obedecem a suas ordens. Xerxes, o monarca persa, lançou correntes ao mar e as ondas as engoliram como se estivesse acorrentado às águas, mas quando Deus fala, o vento e o mar lhe obedecem. Se falar somente uma palavra, as estrelas brigam em seus cursos contra Sisera. Se ele bater o pé, um exército de anjos imediatamente se apresentará para a batalha. O que o poder do onipotente não pode fazer? "O SENHOR é homem de guerra" (Êx 15.3) "O teu braço é armado de poder" (SI 89.13).

O poder de Deus é "a força da sua glória" (Cl 1.11). É um poder irresistível. "Pois quem jamais resistiu à sua vontade?" (Rm 9.19). Contestá-lo é como se os espinhos se organizassem em marcha de batalha contra o fogo, ou, como se uma criança sensível lutasse com um arcanjo. Se o pecador for pego na rede de ferro de Deus, não há escapatória. "Nenhum há que possa livrar alguém das minhas mãos" (Is 43.13).

O poder de Deus é inexaurível, nunca passa ou se desgasta. Os homens, enquanto exercitam suas forças, se enfraquecem, mas Deus tem uma eterna renovação de força em si mesmo (Is 26.4). Embora Deus gaste suas flechas contra seus inimigos, mesmo assim não gasta sua força (Dt 32.23). "O SENHOR, o Criador dos fins da terra, nem se cansa, nem se fatiga" (Is 40.28).

Fonte: [Josemar Bessa]

Que significa Humanismo? – M. Lloyd-Jones



Eu não poderia dar uma definição melhor do que a que está expressa nestas palavras de Isaías: "Ai dos que são sábios a seus próprios olhos e inteligentes na sua própria opinião!" Humanismo é a crença na humanidade. E o interesse ape¬nas nos homens e mulheres, sem levar Deus em consideração. Ele exclui Deus porque crê que os seres humanos são suficientes em si mesmos. Esta é a verdadeira essência do Humanismo. O homem é o centro do universo, e não há nada maior nem mais grandioso.

Existem dois tipos principais de Humanismo: o que é chamado de "Humanismo clássico", o que significa que para sua direção na vida e entendimento da mesma você não vai à Bíblia, mas retorna à literatura, à filosofia, ao drama e à poesia gregos. Os humanistas clássicos são pessoas que estudam os grandes autores gregos e conduzem sua vida de acordo com seus ensinos.

Não é função do ensino cristão desacreditar os gregos. Eles foram realmente grandes homens. O Humanismo, porém, clássico ensina que não há nada além deles, e que se você desejar sabedoria deve retroceder ao pensamento e à meditação dessas mentes gigantes do passado. Você os estuda e raciocina com eles, e tenta entender o que pensavam e o que nos deixaram. Procura, então, pôr aquilo em prática. Este é, no mundo presente, o modo de viver uma vida boa e harmoniosa.

A outra forma que o Humanismo toma é a conhecida como "Humanismo científico". O clássico representa o poético, o filosófico, e assim por diante. Por outro lado existe a perspectiva científica, a abordagem que diz que a resposta para os problemas do mundo não virá da filosofia grega ou poética mas da percepção científica de todo o universo, incluindo os seres humanos.

Este é o mais moderno dos dois tipos de Humanismo. Ele reivindica ser novo porque as descobertas são, no mínimo, comparativamente recentes, retrocedendo pouco menos que uns 400 anos, no máximo. Ao investigar os mistérios do universo e sua constituição, você descobre a verdade científica sobre a vida, e, a partir daí, começa a trabalhar seu próprio esquema de vida.

Temos que examinar isso porque, aqui em Isaías, está dito que esta confiança na sabedoria humana leva ao "ai". Mas vamos ser claros sobre isso. Não é parte da argumentação pró-evangelho pregar a desvalorização do intelecto. Na verdade, isto é o oposto do ensino do Evangelho. O Evangelho dá muito valor ao intelecto. Que ninguém pense que o que Isaías quer dizer é que não há nenhum valor em se ter um cérebro, ou na habilidade em usá-lo, ou no entendimento, no poder da razão, e assim por diante. Não se trata disso. Não há nada errado com o intelecto ou com o saber em si. Na verdade, a Bíblia diz-nos que o mais alto dom que Deus deu a homens e mulheres no campo dos talentos - não estou falando da alma e do espírito, mas de dons, - é o da mente, da razão e do entendimento.

O que é verdadeiramente maravilhoso sobre os seres humanos é que eles podem contemplar-se a si mesmos, analisar-se, avaliar-se e criticar-se a si próprios. Este é um tremendo dom, segundo a Bíblia, dado por Deus. Então, não devemos dizer nada que desvalorize o intelecto, a razão ou a mente. O pregador cristão não é apenas um sentimentalista ou um obscurantista. Não é apenas um homem que conta histórias e tenta divertir as pessoas. Ele está aqui para raciocinar com elas, porque Deus lhe deu uma mente para ser usada. Mas, como vou mostrar, a verdadeira explicação para o problema do mundo é o fato de que as mentes se corromperam, e o homem não sabe como usá-la adequadamente.

Qual é, então, a atitude da Bíblia com relação ao Humanismo? E que, conquanto esteja tudo certo com a mente, o entendimento e a razão, o erro das pessoas está em colocarem sua confiança na mente. Elas têm tanto orgulho dela que começam a adorá-la. Pensam que é suficiente em si mesma, e nada além é necessário. O problema tem início quando começam a se gabar da razão e a acreditar que, com sua mente, podem envolver o cosmos inteiro. Esta afirmativa de Isaías define perfeitamente essa questão - "Ai dos que são sábios aos seus próprios olhos." Eles se colocaram num pedestal. "Olhe para mim" - dizem -, "não sou mesmo maravilhoso?" "Sábios a seus próprios olhos, e inteligentes na sua própria opinião." Não há nada errado em ser sábio, mas, se você for sábio a seus próprios olhos, estará em uma situação muito perigosa. É excelente ser inteligente, mas, se você for inteligente na sua própria opinião, estará sob a condenação proferida pelo profeta.

Eu creio que isto ficou claro. Longe de querer dizer que não há valor no intelecto, o que desejo é usar o pouco que tenho, e vou pedir-lhe que faça o mesmo!

Por que Deus pronuncia um "ai" sobre aqueles que são sábios a seus próprios olhos, e adoram seu cérebro e entendimento: os humanistas? A primeira resposta é a de que esta é a própria essência de seus problemas e males; esta é a causa principal de todos os males da raça humana. Leia a Bíblia e verá que ela diz que este foi seu pecado original, e assim tem sido desde então. A tentação que primeiro veio ao homem e à mulher, como já vimos, foi: "Será que Deus disse?" (Gênesis, 3:1). Em outras palavras: Será que Deus está tentando reprimi-lo? Estará tentando colocar-se entre você e o conhecimento do bem e do mal? Será que está buscando esconder algo de você?

"Está" - disse o diabo -, "porque ele sabe que, se vocês comerem do fruto, vocês serão deuses, terão entendimento, saberão tudo, serão iguais a ele."

Este foi o primeiro pecado do homem, e tem sido a causa de todos os males subseqüentes.

A Vontade se tornou Escrava - João Calvino



Portanto, a vontade se mantém agrilhoada por essa servidão do pecado, e não pode volver-se, muito menos aplicar-se ao bem, porque movimento desta natureza é o princípio da conversão a Deus, que nas Escrituras toda ela se atribui à graça de Deus. Por isso é que Jeremias [31.18] suplica do Senhor que converta a quem quiser converter. Donde, descrevendo no mesmo capítulo a redenção espiritual do povo fiel, o Profeta diz ser redimido pela mão de um mais forte [Jr 31.11], significando com isso de quão apertados grilhões está amarrado o pecador por todo o tempo em que, abandonado pelo Senhor, age debaixo do jugo do Diabo.

Entretanto, permanece a vontade que, com a mais acentuada inclinação, não só
propende, mas até se apressa a pecar, uma vez que o homem, ao sujeitar-se a esta necessidade, não é privado da vontade, mas da sanidade da vontade. Com efeito, nem se pronunciou inadequadamente Bernardo, que ensina subsistir em todos nós o querer – porém, querer o bem ser proveito; querer o mau, efeito. Isto é, simplesmente querer provém do homem: querer mal, da natureza corrompida; querer bem, da graça. Além disso, ao afirmar que a vontade é despojada da liberdade, necessariamente ou arrastada ou conduzida para o mal, é de admirar se a alguém a expressão pareça enganosa, visto não ter qualquer coisa de dissonante, nem ser estranha ao uso dos santos. Contudo ofende aos que não sabem distinguir entre necessidade e compulsão.

Mas, se alguém lhes pergunta: Porventura Deus não é necessariamente bom? Porventura o Diabo não é necessariamente mau? Que responderiam? Ora, a bondade de Deus é a tal ponto entrelaçada com sua divindade, que não lhe é mais necessário ser Deus do que ser bom. O Diabo, porém, em decorrência desua queda, a tal ponto se alienou da comunhão do bem, que nada pode fazer senão o mal. Porque, se algum sacrílego resmunga que a Deus se deve pouco de louvor por sua bondade, a qual ele é compelido a conservar, não se lhe dará uma resposta imediata, a saber: que ele não pode fazer o mal em razão de sua imensa bondade, não por forçosa compulsão?

Portanto, não se impede que a vontade de Deus seja livre em fazer o bem, só porque ele por necessidade opera o bem; se o Diabo, que outra coisa não pode fazer senão o mal, entretanto peca por vontade, quem por isso dirá que o homem peca menos voluntariamente, uma vez que está sujeito à necessidade de pecar? Como Agostinho proclama por toda parte esta necessidade, ainda quando era odientamente acossado pela cavilação de Celéstio, contudo nem ainda vacilou em afirmá-la nestas palavras: “Ocorreu que o homem caiu em pecado pelo uso de sua liberdade; mas já que a corrupção que se seguiu veio como castigo, ele fez da liberdade uma necessidade.” E sempre que ocorre nelemenção desta matéria, não hesita em falar nesses termos acerca da servidão necessária do pecado.

Portanto, observe-se este ponto principal de distinção: o homem, como foi corrompido pela queda, certamente peca porque quer, não contra a vontade, nem coagido; pela mui natural inclinação da mente, não por compulsão forçada pelo ardor de concupiscência pessoal, não por pressão externa; contudo, tudo faz por depravação da natureza, que não pode ser movido e impulsionado senão para o mal. Se isso é verdadeiro, então não se expressa obscuramente que de fato o homem está sujeito à necessidade de pecar.

Subscrevendo a Agostinho, assim escreve Bernardo: “Entre as criaturas, só o
homem é livre; e todavia, em intervindo o pecado, até mesmo ele sofre certa pressão, mas da vontade, não da natureza, de sorte que realmente assim não se priva da liberdade ingênita. Ora, que é da vontade, é também livre.” E pouco depois: “Desse modo, não sei por que modo depravado e estranho, mudada pelo pecado, em verdade para pior, a própria vontade para si engendra a necessidade, de modo que nem a necessidade, uma vez que provenha da vontadepode escusar a vontade, nem a vontade, uma vez que tenha sido seduzida, pode excluir a necessidade.” Pois esta necessidade é, de certa forma, produto da vontade. A seguir, diz que somos oprimidos por um jugo, contudo não outro jugo, senão certa servidão da vontade, razão por que somos miseráveis no tocante à servidão, inescusáveis no que tange à vontade; por isso a vontade, quando era livre, se fez serva do pecado. Finalmente, conclui: “E assim a alma, de certa maneira estranha e deplorável, sob esta necessidade, há um tempo, decorrente da vontade e perniciosamente livre, afirma ser não só escrava, mas também livre: escrava, em função da necessidade; livre, em função da vontade; e, que é mais estranho e mais deplorável: é culposa, por ser livre; e é escrava, por  ser culposae, em decorrência disso, é escrava, quando é livre.”

Daqui certamente os leitores reconhecem que não estou apresentando nada novo; ao contrário, apenas aquilo que, do senso comum de todos os piedosos, Agostinho publicou outrora, e por quase mil anos depois foi preservado nos claustros dos monges. Lombardo, porém, como não soubesse distinguir necessidade de compulsão, deu motivo a erro pernicioso.

Fonte: [O Calvinista]

Como Ensinar e Pregar "Calvinismo" – John Piper



1. Seja rigorosamente textual em todas suas exposições e explanações e defesas dos ensinos Calvinistas. Torne-o todas as vezes um assunto textual, não um assunto lógico ou de experiência.

2. Não seja estridente, mas gentil. Assuma que trabalhar estes grandes assuntos até à convicção pode levar anos e que estar no processo é um bom começo.

3. Fale de seu próprio quebrantamento com respeito à estas coisas e como elas são preciosas para você e porque e como elas ministram à sua alma e ajudam você a viver sua vida.

4. Faça de Spurgeon e Whitefield seus modelos antes do que Owen ou Calvino, porque os primeiros foram evangelistas e ganharam muitas pessoas para Cristo de um modo que está mais próximo de nossos dias.

5. Seja um evangelista e um mobilizador de missões de forma que as críticas de que o Calvinismo entorpece uma paixão pelos perdidos sejam postas em silêncio.

6. Trabalhe os cinco pontos a partir do "I" no TULIP e não do "U". Isto é, mostre ao povo que eles não querem realmente tomar o crédito final pela sua vinda a Cristo. Eles não querem estar diante de Deus no dia do julgamento e responder à questão, "Porque você creu e outros com suas oportunidades não"? com a resposta, "Bem, eu suponho que eu era mais esperto, ou mais espiritual". Eles querem dizer, "Pela graça eu fui trazido à fé". Que é a "graça irresistível". Isto é, graça que triunfa sobre toda resistência até o fim.

7. Regozije-se por causa das críticas. Aquele que conhece e descansa na soberana graça de Deus deve ser o santo mais feliz. Não seja um anunciador amargo, melancólico, hostil ou falso para a glória da graça de Deus. Louve-a. Regozije-se nela. E não deixe que se torne um espetáculo. Faça isto no seu quarto secreto até que isto seja derramado sobre o púlpito e áreas públicas.

8. Não cavalgue sobre o que não está no texto. Pregue exegeticamente, explanando e aplicando o que está no texto. Se isto soar Arminianismo, que soe Arminianismo. Confie no texto e o povo confiará em você por ser fiel ao texto.

9. Evite jargões teológicos que não estejam no texto. A palavra "Calvinismo" provavelmente não é de grande auxílio. "Doutrinas da graça" pode não ser também. Simplesmente se prenda com o que está no texto, ou sugira algumas novas frases impressionantes que farão com que os povos fiquem maravilhados e sejam excitados.

10. Conte histórias e experiências biográficas e das vidas de santos vivos que ilustrem a dependência deles da soberania de Deus. Especialmente histórias relacionadas às missões e evangelismo e santidade de vida.